XXVI – Domingo Comum
“Não o proibais …”
            Os apóstolos ficaram incomodados, quando viram um homem que expulsava os demónios em nome de Jesus. Acusam-no e, pensando que tinham prestado um óptimo serviço, dizem a Jesus que tentaram impedi-lo de continuar a fazer tal coisa, argumentando que esse homem não anda com eles. Os apóstolos, como em tantas outras ocasiões, revelam a sua mesquinhez e falta de compreensão. Custa-lhes a aceitar que alguém, que não segue Jesus como eles seguem, possa ter e exercer tal poder – fazer o mesmo que Jesus faz. Não compreendem que, se alguém realiza as obras de Deus, é porque está em comunhão com Ele.
            Na perspectiva de Jesus, aquele homem não constitui uma ameaça para si nem põe em causa o êxito da sua missão. Pelo contrário, é um sinal do Reino, lá onde vive e actua. Por isso mesmo, não deve ser proibido de agir nem os apóstolos se devem preocupar com a sua actividade. “Se alguém não anda convosco nem faz parte do vosso grupo, se não vive como vós nem observa as mesmas normas, mas actua em meu nome, esse homem dá testemunho de mim, é meu verdadeiro discípulo, é construtor do Reino de Deus”.
            Jesus corrobora esta ideia com um exemplo. Quem dá um simples copo de água, mesmo que não pertença ao grupo dos discípulos (comunidade cristã) ou não viva segundo o modelo padrão (da Igreja), se o faz com amor, receberá a recompensa de Deus. O determinante, o que torna o homem merecedor de Deus é o amor, mesmo quando é traduzido no mais pequenino gesto. Quem ama de verdade vive, mesmo que não tenha plena consciência disso, na onda de Deus e partilha o amor de Deus com o seu semelhante.
            Os apóstolos (os cristãos) não devem, em nenhuma circunstância, escandalizar-se com aqueles que fazem o bem e realizam as obras do amor. Mesmo que pareçam estar longe, eles estão perto de Deus e têm a sua aprovação, pois Deus é amor e é o amor que torna o homem semelhante a Deus. O que os apóstolos devem, isso sim, é não escandalizar ninguém com as suas atitudes e comportamentos, ou seja, não serem ocasião de algumas pessoas se afastarem de Cristo e desacreditarem d’Ele. Jesus quer que isso seja evitado a todo o custo no seio das comunidades cristãs.
            Jesus usa uma linguagem demasiado dura. Manda cortar a mão e o pé, e arrancar o olho quando estes são motivo de escândalo. Teremos de tomar à letra as palavras de Jesus? Não me parece que seja essa a intenção de Jesus. O que Ele pretende não é que nos desfaçamos dos membros que são ocasião de pecado. O que Jesus realmente deseja é que usemos os dons de Deus e cada um dos nossos membros de acordo com o fim que lhe é próprio.
            A mão, entre muitas outras coisas, serve para levarmos a comida à boca e para nos lavarmos, para cumprimentarmos as pessoas e termos gestos de carinho com elas, para ajudar a levantar uma pessoa ou partilhamos algo do que temos com quem precisa. Mas, por vezes, a mão é usada ao serviço da violência. No entanto, a solução não está em cortar a mão, para evitar mais violência. A solução está em converter o coração, de modo que a mão esteja sempre ao serviço do amor e da paz. Esta é a novidade de Cristo. Cortar os membros era prática muito comum nos códigos antigos.
            “Não o proibais …” Não proíbas ninguém de fazer o bem, muito menos por ciúme ou medo de que te roube o lugar ou o protagonismo. Não o proíbas, muito menos o condenes, pelo facto de ele não cumprir todas as normas da Igreja. Se faz o bem, se pratica as obras de misericórdia, não está contra Jesus.
            Preocupa-te mais em não seres tu ocasião de escândalo. Tu escandalizas, se sentes inveja ou desvalorizas os dons que Deus concede aos outros em vez de os apreciares e te alegrares com eles; se não dás conta ou não correspondes a quem te pede um copo de água, ou seja, a quem precisa de ti; se rezas a Deus, mas não falas ou não perdoas ao irmão que te ofendeu; se te envergonhas ou não queres correr riscos, defendendo os valores do Evangelho como a vida, o casamento e a família; se, dentro da Igreja, reclamas os teus direitos, mas não reconheces nem aceitas cumprir os teus deveres. Numa palavra: tu escandalizas, se dizes mas não fazes, se pregas mas não vives, se pareces mas não és, se praticas mas não crês, se te dizes cristão mas afastas os que te vêem de Cristo.

Pe. José Manuel Martins de Almeida