50 ANOS DE CRIAÇÃO LITERÁRIA DE UM EXTRAORDINÁRIO ESCRITOR

Estas linhas são uma simples e modesta homenagem a um escritor português, com grande obra publicada, embora muitas vezes injustamente esquecido. Estou a referir-me a Manuel da Silva Ramos, nascido em 1947 na Covilhã. Estudou Direito na Universidade de Lisboa e na “primavera marcelista” exilou-se em França, de onde só regressou em 1997.

Se recuarmos no tempo, estamos perante um rapazinho “granítico e viriático,” que foi ouvindo os clientes na alfaiataria do seu pai, na freguesia do Refúgio, e que aos onze anos começou a escrever.

Considera-se um gladiador serrano, que afinou armas em jogos florais e literários, escrevendo para vários jornais nacionais, principalmente no “Jornal do Fundão”.

Nos seus tempos de estudante, na Biblioteca Municipal da Covilhã, retirou de envidraçados armários de cerejeira livros de muitos escritores, lendo todos os clássicos da língua portuguesa.

Também um velho tecelão fabril lhe emprestou livros do Roger Vailland, abrindo-lhe caminhos para outras literaturas.

Na frequência do ensino universitário em Lisboa, em 1968, na Biblioteca das Galveias leu “A História Universal da Infâmia“ de Jorge Luís Borges, que o marcou profundamente.

Mais tarde, percorreu as ruas de Lisboa e da Literatura, publicando em 1969, com apenas 21 anos, uma das obras primas da Literatura Portuguesa – “Os Três Seios de Novélia” -, que ganhou o Prémio de Novelística Almeida Garrett, atribuído por um júri constituído por Óscar Lopes, Mário Sacramento e Eduardo Prado Coelho. Este livro foi agora reeditado pela quarta vez com um “Manual do Silva Ramos” como extra (cortesia da editora Parsifal) e está traduzido em italiano e checo.

Segundo o jornalista e escritor Fernando Paulouro Neves, esta obra é uma “espantosa topografia poética de ruas, cafés, numa geografia literária comovente, reportada a um tempo lisboense asfixiante em que as palavras tantas vezes morriam ao nascer.”

Com a atribuição deste Prémio Literário, ganhou vinte contos, dinheiro que lhe permitiu emigrar para Toulouse em França.

Manuel da Silva Ramos é hoje uma das vozes mais originais da Literatura Portuguesa. Muitas das suas obras assentam em realidades da Beira Baixa, território que ganha uma dimensão mítica pela extraordinária imaginação deste criador.

Na impossibilidade de falar dos 25 livros publicados em 50 anos, relembro a obra “Café Montalto”, que nos descreve a sociedade covilhanense com os seus vícios e desigualdades sociais; a “Ambulância”, que nos retrata um país decadente, transportado numa ambulância, e foi na Cova da Beira onde Manuel da Silva Ramos recolheu os episódios mais grotescos; e a primeira parte de “Três Vidas ao Espelho”, ressuscitando as façanhas dos contrabandistas na zona arraiana sabugalense, com destaque para o Bismulense Manuel José Brigas, meu padrinho de baptismo, assassinado pelas costas pela Guarda Civil Espanhola, nas cercanias de Espeja (Cidade de Rodrigo).

Nestes dois últimos romances, sinto-me muito feliz por ter ajudado o Manuel da Silva Ramos a descobrir os rostos e os rastos de algumas das suas personagens. As páginas destas obras continuam actuais, dramas visíveis e invisíveis no palco da fragilidade humana.

Manuel da Silva Ramos vive o seu ofício e a sua literatura é um grito de liberdade. E, pelo poder da sua escrita, muitos Homens e Mulheres foram resgatados do esquecimento e da indignidade.  

Bem-Haja Manel e muitos Parabéns!

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Março/2019