Domingo de Páscoa

“Ainda não tinham entendido a Escritura”

 

            Maria Madalena, que fazia parte do grupo de mulheres que seguia Jesus desde a Galileia, e Pedro e João, que andavam com Jesus desde o início do seu ministério, “ainda não tinham entendido a Escritura”. Consequentemente, ainda não tinham captado o verdadeiro alcance da vida e missão de Jesus, muito concretamente o que se refere ao mistério da sua morte e ressurreição. Daí, a primeira reacção que têm ao dar conta que o sepulcro de Jesus está vazio.

            Na verdade, se eles conhecessem e entendessem a Escritura, teriam dado conta e compreendido que tudo quanto Jesus lhes disse sobre o seu mistério pascal encaixava e correspondia perfeitamente ao que estava escrito a esse respeito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos. Se eles conhecessem e acreditassem verdadeiramente na Escritura, não teriam qualquer dúvida quanto ao cumprimento das suas profecias e das palavras do Mestre.

            Sim, se entendessem e acreditassem, Maria Madalena e as outras mulheres não teriam ido ao sepulcro para embalsamar o corpo de Jesus. Elas teriam compreendido que não tinha sentido nem qualquer utilidade conservar o corpo do Senhor. Além disso, tanto elas como Pedro e João, não teriam ficado sobressaltados e aflitos ao constatarem que o corpo de Jesus não se encontrava no túmulo.

            “Ainda não tinham entendido”. É estranho, sobretudo no caso dos dois apóstolos. Pedro até já tinha reconhecido e confessado que Jesus era “o Messias, o Filho de Deus vivo” (Mt 16,16). Por sua vez, João era o discípulo que Jesus amava de um modo especial, aquele que vivia mais próximo do seu coração. Sendo o amor o que nos permite penetrar mais e conhecer melhor o mistério da vida dos outros, seria de esperar que João, beneficiário daquele tão extraordinário amor divino, tivesse um entendimento mais profundo do mistério da vida de Jesus.

            Não é fácil para os apóstolos, como não o é para qualquer pessoa, entender e aceitar a realidade misteriosa da morte. Muito menos quando se trata da morte de um amigo. E mais difícil ainda quando morte atinge alguém que eles acreditam ser o Filho de Deus. E também não é fácil compreender o que significa ressuscitar dos mortos. A morte é um mistério, mas, ao mesmo tempo, é uma realidade que acontece no quotidiano e se afigura como algo inevitável. A ressurreição para a vida eterna escapa a qualquer experiência humana. É, por conseguinte, extremamente difícil conceber uma vida isenta das contingências da matéria, do espaço e do tempo, um existir, depois e para além da morte, por toda a eternidade. É difícil entender, mas isso é o que melhor corresponde ao desejo mais radical e intenso de todo o ser humano: viver, existir, ser para sempre.

            É no interior do sepulcro, precisamente no lugar onde parece mais patente a irreversibilidade da morte, que Pedro e João, certamente inspirados pelo Espírito, recordam as palavras de Jesus, entendem as Escrituras, “vêem e acreditam”. Antes, correm ao sepulcro, alarmados pela notícia de que tinham levado o corpo do Senhor. Pelo caminho, seguramente conjecturam sobre quem o terá roubado e o modo como poderão recuperá-lo. Agora, saem do sepulcro completamente convencidos de que Jesus ressuscitou dos mortos. Esta é a única e verdadeira razão porque o sepulcro está vazio. Nesse momento, a tristeza e o desânimo sentidos na hora da morte de Jesus, a perplexidade e confusão provocadas pelo sepulcro vazio dão lugar à alegria e deslumbramento da ressurreição!

            Naquele momento, à luz da ressurreição, os apóstolos compreendem que Jesus tenha permanecido na Cruz e não tenha usado o seu poder divino para escapar à morte. Compreendem também que o dar a vida é, efectivamente, a maior prova de amor. Compreendem ainda que o sofrimento e a morte não significam necessariamente fraqueza e derrota, mas sim caminho de amor e de vida. Numa palavra, a ressurreição de Cristo leva-os a superar o escândalo da cruz.

            “Ainda não tinham entendido a Escritura”. Ainda não tinham …, mas depois entenderam! É verdade que a Escritura guia o homem até Jesus e que quem conhece a Escritura conhece Cristo. Porém, não é menos verdade que só com a luz da ressurreição é possível compreender perfeitamente toda a Escritura, abarcar toda a verdade da revelação de Deus, atingir o sentido último de tudo o que Jesus fez e ensinou.

pe. José Manuel Martins de Almeida