Corpo de Deus

“Fazei isto em memória de Mim”

 

            Com o milagre da multiplicação dos pães, muito para além de alimentar a numerosa multidão que O seguia, Jesus tem em vista o milagre maior da Eucaristia. Por conseguinte, não admira que o texto do evangelho de hoje, Solenidade do Corpo e Sangue de Cristo, seja precisamente o relato daquele milagre.

            Jesus passou todo aquele dia a falar às pessoas sobre o Reino de Deus. Ao cair da tarde, antes de regressarem a suas casas e a fim de não desfalecerem pelo caminho, Jesus considera um dever dar-lhes de comer. É certo que as pessoas não vivem só de pão. Mas não é menos certo que o Deus que as ama e alimenta com a sua palavra, também lhes providencia “o pão nosso de cada dia”. Por isso, Jesus não pactua com a sugestão dos discípulos. Não é justo mandar as pessoas embora àquela hora, abandonando-as à sua sorte. Além do mais, seria uma contradição ter-lhes falado do amor de Deus, do mundo novo que Ele quer para os homens, e, depois, ser insensível às suas necessidades, não lhes dar um sinal concreto desse mesmo amor.

            Naquelas circunstâncias, com os cinco pães e dois peixes, depois de os abençoar, Jesus sacia a multidão. E o milagre chega mais longe, pois “ainda recolheram doze cestos dos pedaços que sobraram”. Jesus serve-se do que os homens têm, não dispensa a sua parte, o que eles podem fazer e devem partilhar. E ainda compromete os discípulos na distribuição do alimento. Agindo deste modo, Jesus deixa claro que o milagre, o dom de Deus, é indissociável do trabalho e da vida do homem. E que Deus precisa de mediadores humanos para fazer chegar os seus dons à vida dos homens. Por sua vez, a abundância do pão que sobrou não revela apenas o poder extraordinário de Jesus. Revela muitos mais que o dom de Deus, significado naquele pão, é e chega para muitos outros homens, para todos aqueles que hão de conhecer Jesus e acreditar n ‘Ele. Nesse sentido, aponta para o pão da Eucaristia.

            “Fazei isto em memória de Mim”. Como judeu que era, também naquele ano, Jesus celebra a ceia pascal, chamando ao presente da sua vida o êxodo, a libertação da terra do Egipto, o acontecimento mais marcante da história do povo de Israel. Mas aquela é uma ceia especial, vivida com particular intensidade. É a última refeição que toma com os seus discípulos. No dia seguinte, vai dar a maior prova de amor, vai oferecer a sua vida, derramar o seu sangue, morrer na cruz, realizar o novo e definitivo êxodo, a verdadeira libertação de toda a humanidade.

            Consciente de que esse é o mistério central da sua vida e da sua missão, e desejando que ele chegue ao hoje da vida dos homens de todos os tempos, Jesus decide deixar um sacramento como memorial desse acontecimento salvífico – o sacramento da Eucaristia. Na verdade, antecipando o futuro, isto é, o mistério da sua paixão, Jesus, no decorrer da ceia, oferece-se a si mesmo aos apóstolos no pão e no vinho, depois de os ter abençoado. Sublinha que é mesmo o seu Corpo e o seu Sangue que lhes dá a comer e a beber, ou seja, é Ele mesmo, no mistério da sua entrega pela humanidade.

            De seguida pede-lhes: “Fazei isto em memória de mim”. Jesus quer que o mistério da salvação, que Ele realiza em favor de todos, aconteça, seja presente na vida das pessoas. Mais, através do memorial da sua morte e ressurreição (a Eucaristia), Jesus quer tornar-se contemporâneo de cada homem. Este é o mistério admirável da Eucaristia: todas as vezes que ela é celebrada, Jesus torna-se presente no meio de nós, fala connosco, oferece-se por nós, entra na nossa vida e aceita acompanhar-nos pelos caminhos do mundo.

            Como olhas a Eucaristia e como participas nela? Apenas como uma mera cerimónia religiosa ou como a celebração efectiva da morte e ressurreição de Cristo? Quando escutas o Evangelho, acreditas e sentes que Jesus fala contigo e para ti, ou consideras que se trata apenas de um relato do passado e de palavras dirigidas a pessoas de outras épocas? E quando recebes a comunhão, acreditas e sentes que é Jesus a entrar pessoalmente na tua vida? Acreditas e sentes que Ele é realmente o Pão descido do Céu, o Pão da ressurreição e da vida eterna? Acreditas e pressentes que Jesus, no final da Eucaristia, quer ir contigo para a tua vida quotidiana e, através de ti, quer habitar na cidade dos homens, lá onde se desenrola a trama da história humana?

Pe. José Manuel Martins de Almeida