A HISTÓRIA DA VELHINHA

Havia um Reino com uma História muito antiga. Era um país muito rico. Rico de petróleo, de diamantes, a quem o antigo colonizador entregou quase gratuitamente os planos secretos da localização dos preciosos minerais, de uma agricultura muito desenvolvida e com praias maravilhosas. Um Reino com estes pergaminhos, o Povo era para viver feliz, mas não, vivia no limiar da pobreza. É sempre assim, quando poucos têm tudo, os muitos não tem quase nada, ou mesmo nada. Há décadas que era governado por uma monarquia feroz, sanguinária e corrupta. Quase todos os que circulavam à volta da Coroa Real, iam enchendo os bolsos em negócios escuros, com a prática da mais ignominiosa corrupção. Os que roubavam milhões eram imunes a um Direito que os defendia, e os que roubavam tostões eram descobertos e fuzilados em praça pública. Os que praticavam sistematicamente a corrupção ainda eram condecorados e incentivados a aproveitar-se dos bens do erário público, porque lá estava o Zé Povinho para, através do aumento dos impostos, pagar todos os roubos.

O ambiente social e humano era de cortar à faca com um terror atroz. Todos procuravam fugir daquele Reino e não ter qualquer encontro nem ver a imagem do Rei.

Junto ao Palácio Real, vivia uma Velhinha, quase centenária, grandes olheiras de sofrimento, mãos muito calejadas, rugas no rosto e cabelos mais brancos que a neve na Serra da Estrela. Mãe de dez filhos, marido operário numa cintura industrial, aquele casal nunca conheceu férias, trabalhavam que nem um escravo para sustentar tão volumoso agregado familiar. Quase todos os dias se cruzavam com Sua Realeza e a Velhinha, ao aproximar-se, saudava-o de joelhos. Com as mãos para o Céu, pedia a proteção divina para o Rei. Apelava a Deus que Lhe concedesse longa vida, O protegesse de todos os males físicos e psíquicos.

O Rei andava intrigado com o diário comportamento desta Velhinha do seu Reino. Ele, um sanguinário, um ditador que congregava os ódios dos seus governados, com várias tentativas de atentados à sua vida e dos seus familiares, logo ia encontrar esta pobre criatura a desejar-lhe uma vida feliz, longa e com as bênçãos de Deus. O ódio e o rancor de todo o Povo não tardou a revelar-se contra esta pobre criatura, a fazer orações por tão maléficas intenções a um mafarrico.

A Segurança do Reino pensou reunir o Conselho da Corte, a fim de recolher opiniões e tomar uma decisão sobre estes estranhos desejos da anciã.

Teve na mente reunir os mais diretos colaboradores para lhes expor a situação e solicitar uma estratégia real.

Andava o Rei com estes pensamentos e preocupações na cabeça, quando decidiu interpelar a velhinha simpática e bondosa, para saber as razões das suas saudações tão estranhas.

Não se fez rogado e perguntou-lhe:

– Minha Velhinha, eu sou um Rei medonho, mau como as cobras, que todo o Povo odeia e deseja a morte. E tu, minha avozinha, porque estás sempre a pedir ao Altíssimo longa vida para mim, que os deuses me protejam, que tenha a maior sorte na vida? Que cada Ano Novo que chega, seja melhor que o que passou?

A Velhinha, com um olhar maternal, fixou-se nos seus olhos, colocou-se de joelhos numa atitude de vassalagem e esclareceu a curiosidade real:

– Queira saber Vossa Realeza que o seu trisavô era um tirano, o seu avô duplicou os princípios de maldade e crueldade, o seu pai seguiu as pisadas dos seus familiares antecessores e foi pior que os dois juntos. Ora, o meu Rei e Senhor consegue ser pior que os três juntos. Se o meu Rei morre, vem aí sucessor e será logicamente o pior de todos eles. Mal por mal, que Deus conserve sua Alteza, os seus familiares, por muitos longos anos, na companhia de todos nós.

O Rei aceitou as sábias explicações da idosa e não teve coragem de a castiga, de a mandar matar.

Às vezes acontecem na nossa sociedade estórias idênticas desta Velhinha e deste Reino.

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Dezembro/2016