A MENINA…

Conhecia-a com uns mesitos de vida. Antes, alguns anos antes, conheci os pais, unia-nos uma forte amizade. O Pai era um beirão, oriundo das gentes destemidas da rama do castanheiro que enfrentaram há mais de um século os senhores feudais da Casa Garrett. A Mãe, com antepassados bascos e raízes ribatejanas, gentes temerárias na arte de pegar o touro pelos cornos. A Menina, fruto deste amor beirão e ribatejano, não chegou a conhecer o Pai, um brilhante jovem médico que perdeu a vida numa dessas estradas nacionais.

A Menina ficou nos braços da Mãe, inesperada viúva, quase sozinha. Mãe corajosa, não se poupou a sacrifícios pessoais e profissionais para a criar, formar e fazer crescer… A vida tinha de continuar… Pegava a menina ao colo e levava-a diariamente em transportes públicos à creche na 5 de Outubro em Lisboa. Os anos passaram e juntas venciam os obstáculos.

A menina percorreu a Escola Primária, a Secundária e chegou à Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, formando-se em Escultura. Mais tarde fez um curso de Joalharia no Porto. Juntas atravessaram mares e continentes e viveram em Macau, uma experiência marcante, a Mãe como professora, a Menina como estudante de uma outra cultura. Regressaram desta viagem de iniciação ao Oriente que jamais esquecerão, e a Menina procurava vingar na dura realidade portuguesa. Trabalhou no Porto e em Lisboa, com uma breve incursão pela Beira Baixa, colaborando nos projectos das “Aldeias do Xisto”, nomeadamente no da “Agricultura Lusitana”. Neste âmbito, algumas das suas peças de joalharia estão expostas no Museu de Arte Popular em Lisboa.

A Menina é actualmente Professora na Escola António Arroio, onde dá formação de joalharia e projectos associados. Além disto, esta artista resiliente tem um atelier próprio onde exerce o seu ofício na concepção e depuração das peças que cria, um trabalho de muito engenho, minúcia e paciência.

Há tempos partilhámos mesa no Restaurante “O Fernandes”, repleto de jovens apaixonados pelo Cinema, grandes realizadores de afectos e pessoas da Aldeia de Joanes. Celebrávamos a vida e obra de Michel Giacometti nestes “Encontros Cinematográficos”. À mesa fraterna, não podia estar em melhor companhia: a minha Santa Esposa, a prima Carmo, o meu filho Mário, a Marta Ramos – uma jovem cantora da Aldeia da Ponte (Sabugal) – e a Menina Patrícia. Evitámos o passado, embora esteja sempre na memória, e falámos sobretudo do presente e do futuro. A Menina Patrícia é uma jovem bela, simples e delicada. É quase impossível não me lembrar do seu Pai Mário, uma das melhores pessoas que conheci na vida e que recordarei para sempre com muita saudade. Tenho a certeza que o Pai está orgulhoso desta Menina. Não é demais dizer que em sua homenagem o meu filho mais novo recebeu o nome de Mário.

Foi com infinita alegria que recebemos em Aldeia de Joanes esta Menina, pura de coração e amiga. Antes de regressar ao trabalho em Lisboa, expressou a sua gratidão por estes dias com a delicadeza e a simplicidade das pessoas boas.

No dia seguinte li uma mensagem da Mãe da Menina que ficará para sempre registada no meu coração.

Desejo com todas as forças da minha alma um grande futuro a esta Menina.  

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Junho/2018

A MENINA

A MENINA