Vivem-se os primeiros dias de Janeiro sob o signo da morte. Como muito bem canta Zeca Afonso, “ A Morte saiu à Rua.” Os acontecimentos e morticínios em Paris, Nigéria, Afeganistão e Síria, só o confirmam. E, se olharmos para a nossa realidade mais próxima e tangível, as coisas não melhoram.

Só num dia morreram oito pessoas nas estradas, isto excluindo os feridos graves que resultam em óbitos.

Só num dia, segundo as estatísticas oficiais, morreram quatrocentos portugueses.

Nos corredores das urgências dos hospitais, enquanto alguns aguardam horas sem fim por uma consulta, outros não conseguem resistir a tanta demora e partem para sempre.

Começo por salientar que a família prisional de Castelo Branco está de luto. Com sessenta e oito anos, quarenta de serviço, José Francisco dos Santos Ramalhete, guarda prisional, natural de Ponta Espada, da Freguesia de Castelo de Vide, também partiu.

Três momentos marcaram a sua profissão, que exerceu com muita dignidade, eficácia e honestidade. Numa situação de iminente agressão, a segurança física do diretor do estabelecimento prisional em causa, José Ramalhete, com sangue frio e discernimento, conseguiu que o seu superior hierárquico saísse da zona prisional sem ser beliscado.

Numa tentativa de evasão de cinco reclusos, que o aprisionaram momentaneamente numa casa de banho, conseguiu atirar com as chaves de segurança a um colega de serviço e, com este gesto, abortar as intenções desses reclusos.

Passou mais tarde para o serviço de elaboração das escalas de serviço, um trabalho que requer muita atenção e cuidado, serviço que desempenhou com muita mestria.

Vivia-se a dor da partida deste elemento prisional, quando logo chegou a notícia da Unidade da Dor do Fundão. Uma desgraça nunca vem só e faleceu Ercília Conceição Lourenço Martins Miguéns, também funcionária administrativa da instituição prisional. Vitimada de uma doença oncológica, sucumbiu com apenas cinquenta e cinco anos.

Numa grande manifestação de pesar, e num silêncio sepulcral respeitador dos familiares, centenas e centenas de pessoas da Comunidade de S. Domingos, da Freguesia de Salzedas e do Estabelecimento Prisional de Castelo Branco, se associaram a esta última homenagem.

No funeral de Ercília Miguéns, foram significativas as palavras proferidas pelo celebrante: “Os cristãos têm de ser bons profissionais. Não em disputa de carreiras, mas sim pelas causas do evangelho, sendo a principal servir os outros. Só assim o trabalho é também uma grande oração. Ercília trabalhou nesta linha, com dignidade, honestidade, lealdade e exemplaridade. A luz não deve esconder-se debaixo do alqueire mas iluminar os outros”.

Também a Comunidade Missionária de S. João Batista de Gouveia está de luto, Olinda Cândida de Sousa, religiosa daquele Congregação, que esteve em missão em Seia, para mais tarde se dedicar com sentido generoso e humilde, durante cinquenta anos, como irmã, educadora, cozinheira, jardineira e sobretudo uma mãe, para muitos jovens que passaram pela Escola Apostólica de Cristo Rei, em Gouveia.

Estava a alinhar este texto e chega-nos a notícia de madrugada, o desaparecimento de cinco pescadores, junto à Praia das Maças, na Região de Sintra, mais uns filhos de Caxinas, a maior comunidade piscatória do país, a somar aos duzentos e oito caxineiros, que perderam a vida no mar. É num barco de pesca que correndo inúmeros riscos ganham o pão de cada dia.

Pessoas quase anónimas, que não são notícia nas redes sociais. Urge não esquecer a sua dimensão humana, o seu trabalho, a sua missão, num caso concreto de uma religiosa, de uma vida consagrada, num ano que se faz uma grande reflexão e praticar a “alfabetização da memória”.

 

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes