ALDEIA DE JOANES – INAUGURAÇÃO DO MEMORIAL AO PADRE MOTARD

A promessa foi cumprida pela Câmara Municipal do Fundão, quando assumiu criar um espaço evocativo e a colocação de uma estátua do Padre José Fernando da Cruz Lambelho – Padre Motard, nas imediações da Igreja Matriz de Aldeia de Joanes, terra da sua naturalidade.
A concretização desta iniciativa é uma resposta a uma ampla convergência e manifestações espontâneas nas grandes concentrações de motares, oriundas de diversas partes do país e partilhadas por uma maioria de admiradores e amigos.
A estátua é uma peça única de granito com cerca de dois metros de altura, assente nas rochas naturais. É da autoria do escultor fundanense Gabriel Paulo Hipólito Seixas, com oficina em Évora. Tem trinta anos de atividade, com obra espalhada pelo país.
Uma observação atenta mostra-nos um corpo com muitas curvas, as muitas curvas que os homens das motas têm de vencer nas estradas, o ADN do Padre Zé Fernando, com o respetivo lenço no pescoço.
Atrás e fixado no mural granítico estão inscritas as palavras retiradas do livro do Padre Motard: BOAS CURVAS…SE DEUS QUISER. Um padre que se fez à estrada, “ fez-se ao largo”, sem medo das muitas curvas que a vida lhe colocou no caminho. Lembrava aos motares que “ até aos cem Deus protege, a partir dos cem acolhe-nos!”
O primeiro sinal, não oficial do programa, foi uma Eucaristia Dominical, presidida por um missionário octogenário, José Martins Salgueiro, com muitos anos de evangelização em Angola e S. Tomé, também ele com histórias de motas que percorreu nos caminhos africanos.
O Celebrante lembrou que pessoalmente não conheceu o Padre José Lambelho, mas acompanhou a sua ação em programas televisos e na imprensa escrita. “Foi um sacerdote de grande coragem, admirado pela comunidade dos motares e algumas vezes não compreendido pela Igreja. Todos nós, à semelhança dos tempos da Paixão e Morte de Jesus Cristo, que estamos a viver, tenhamos o condão de nos perdoarmos uns aos outros”.
A parte musical esteve a cargo de um grupo coral alargado e partilhado com Aldeia de Joanes/Aldeia Nova do Cabo, sobressaindo na parte final, o Ave-maria de Gunot, cantado por Diana dos Santos, uma voz erudita.
Este padre católico, que partilhou a filosofia da sua vida com os imensos grupos, amantes das duas rodas, era um espírito aberto, livre e aventureiro, daí estar simbolicamente de costas para uma certa Igreja, formal, fechada, incompreensiva, corporativa, que nem o Ano da Misericórdia a faz pensar e repensar no perdão e no amor. Muitas vezes polémico, não estava, no entanto, anestesiado em frivolidades nem se refugiava na indiferença ou no subterfúgio da indisponibilidade.
Nada melhor que ouvir aqueles que de perto conviveram com o Padre Motard. Começamos por ouvir Eng.º António José Alçada, motard da Covilhã/Setúbal: ”tinha o dom de chegar com muita facilidade à juventude e à irreverência. Conseguiu motivar mesmo os não crentes a participar nas celebrações eucarísticas e nas grandes jornadas de fé. Era um padre que estava próximo de nós, próximo das pessoas. Vivia na proximidade dos crentes e dos não crentes. Ele é a referência maior da família motard nacional, que é uma comunidade muito humanizada misturada com alguma irreverência. O discurso era informal e todos tinham acesso rápido ao seu entendimento, não cansava, bem pelo contrário. Tinha um íman que fascinava, que atraía, aproximava todos os motares”.
Tereza Vicente, motard da Pampilhosa da Serra: “ Foi nosso companheiro de longos anos. Este ato já devia ter acontecido, principalmente quando estava fisicamente no meio de nós, mas mais vale tarde do que nunca. Muita gente não lhe reconheceu valor, só depois da morte é reconhecido. Tenho na família dois primos padres, mas não chegam aos calcanhares do Padre Zé Fernando. Conseguia motivar, animar, dinamizar, atuar, abria caminhos de fé e de esperança e quando “ Maomé” não ia à montanha, ia a montanha a Maomé”.
Alberto Silva motard de Espinho: “ por tudo o que fez, pela federação, pelos clubes de motares a nível nacional esta homenagem ainda é pequena, mas de inteira justiça. Não era ele que tinha conflitos com a Igreja, era a Igreja que tinha conflitos com ele. Estas gerações de motares nunca o esquecerão e está na memória de todos nós.”
Maria de Lurdes, motard de Óbidos: “ foi um padre que deixou marcas na família motard e fez-se total justiça. No ano passado não me foi possível vir, mas neste seu 3º aniversário e inauguração aqui estou com o meu marido de Castelo Branco”.
Na cerimónia de inauguração com centenas de motares, o Padre José Martins Salgueiro, Missionário do Espírito Santo, a pedido do Presidente da Camara Municipal do Fundão, procedeu à bênção da estátua, proferindo as seguintes palavras,” que seja uma recordação de coragem, de solidariedade, de espírito aberto e aventureiro.”
Carlos Pereira da organização traçou o curriculum dos tempos de estudante até ao seu precoce falecimento, salientado que “o mais importante do Padre Zé Fernando, foi conciliar a vida de sacerdote com o amor às motas.”
Da parte dos seus familiares, o porta-voz foi o irmão Francisco Lambelho, que referiu as qualidades do homenageado, e “ tal como o pôr-do-sol é um espetáculo belíssimo, o Fernando deixou-nos o testemunho da beleza, da alegria no entardecer da vida, porque para lá da noite…da morte…há uma luz brilhante…UMA VIDA PLENA. As estradas da sua vida não foram diretas, retas, mas sim com muitas curvas difíceis. Terminou citando o poema de Antoine de Saint Exupéry: “aqueles que passam por nós, não vão sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós.”
Encerrou a cerimónia o Presidente da Camara Municipal do Fundão, salientando que o homenageado foi uma pessoa impar, singular e irrepetível, que está na memória nacional da família motard. Explicou a colocação da sua estátua, um local que dá acolhimento, esperança, felicidade, alegria, espiritualidade, inspiração, união e memória. Este é, pois, um espaço de gratidão ao Padre José Fernando da Cruz Lambelho, que foi celebrado com a colocação no monumento dos lenços de muitos motares ali presentes.
Ainda houve tempo para uma visita à habitação do Padre Motard, na Rua de Santo António, em Aldeia Nova do Cabo, onde está guardado um espólio que deve ser salvaguardado num futuro museu motard.
O Papa Francisco vai ficar feliz quando tiver conhecimento deste evento em homenagem a um Padre Motard, em Aldeia de Joanes (Fundão). Um padre que, apesar das vozes discordantes, não deixou de fazer uma inegável e viva peregrinação espirtual sobre duas rodas.
António Alves Fernandes
Aldeia de Joanes
Março/2016