ALDEIA DE JOANES – UM HERÓI… UMA HEROINA

 

Nasceu em Aldeia de Joanes, há sessenta e cinco anos e é o mais novo de cinco irmãos.

Frequentou a Escola Primária e fez a 4ª Classe, no Fundão com os ensinamentos das Professoras Evangelina e Maria Geraldes Vaz.

Os seus pais queriam que o jovem filho ingressasse no Seminário do Fundão, onde fez um pequeno estágio, mas não estava para ali virada a sua vocação.

Aos treze anos, por iniciativa própria, partiu para Lisboa à procura do primeiro emprego, que conseguiu na construção civil, trabalhando nas obras do mais alto prédio à entrada da Avenida de Roma. Teve outros percursos profissionais, que terminaram por motivos graves de saúde aos cinquenta anos. A grande travessia no deserto laboral começou na construção civil e na recolha de roupas para uma empresa de lavandarias. Chegou o serviço militar, passando por diversos quartéis com a especialidade de rádio telegrafista. Atendendo à alta classificação, não foi mobilizado para a Guerra de África. Nunca mais esqueceu a morte de Salazar porque esteve quarenta e oito horas ininterruptas na Central de Mensagens.

Findo o serviço militar, regressou às suas origens e foi trabalhar para a Resineira do Fundão, sob as orientações de João Nogueira, onde se manteve durante um ano.

Passou dez anos no Café Restaurante “O Nacional”, um ícone gastronómico do Fundão, deliciando os clientes da classe média, com arroz de lampreia, cozido à portuguesa e feijoada, as especialidades daquela casa da restauração.

Cansado de aturar clientes exigentes, foi trabalhar para a Quinta de Ângelo da Fonseca, onde esteve cinco anos. Voltou de novo à restauração no “Sol e Dó”. Um dia trocou as “notas” e foi trabalhar numas Bombas de Gasolina, no Fundão com vencimento duplicado. Aqui terminou o seu ciclo laboral.

Iniciou uma longa e dolorosa via-sacra. Os problemas cardíacos graves e os diabetes mais rápidos que a velocidade do TGV, obrigaram-no a deslocar-se amiúde à Associação Protectora dos Diabetes de Portugal, na Rua do Salitre, em Lisboa.

Os diabetes progrediram a velocidade galopante e os serviços de saúde pública não tiveram outra alternativa senão cortar-lhe a perna direita. Meio ano depois, a perna esquerda reclamou igualdade no tratamento, e o nosso Homem aceitou estas fatalidades da vida, sem uma palavra, sem o acompanhamento de qualquer psicóloga barata.

Há oito anos deceparam-lhe parte do corpo, mas a alma, a coragem e a força de viver mantêm-se intactas. Para suavizar todas estas dores físicas e psicológicas, um grupo de amigos organizou-se e com o apoio da RCB, do Programa “ ELE HÁ CASOS!”, a Firma Móveis Martins do Fundão, oferece-lhe uma cadeira de rodas elétrica. É com este meio de transporte que vence o isolamento, percorre os passeios das ruas do Fundão e se aventura a visitar as suas gentes de Aldeia de Joanes, para matar saudades das suas vivências infantis e juvenis.

Diz-me que ninguém foge ao destino que lhe foi traçado. Ele não fugiu ao seu. Não se sente conformado e aqui lembrei-me de lhe citar Espinosa, o Apóstolo da Razão dizendo que “ o Homem sábio não pensa na morte, mas na vida” e eu acrescentaria que um herói também não.

Estou a falar de José Manuel Carroça Passarinho, pai de dois filhos, avô de três netos, e companheiro há quarenta anos de Manuela Costa Ribeiro, uma heroína, que também nasceu em Aldeia de Joanes,  com quem tem partilhado dores, alegrias e esperanças…

Há tempos, uma infelicidade nunca vem só, a residência onde habitavam sofreu um grave incêndio, destruindo-lhes muitos bens estimáveis. Alguma solidariedade, agradecida publicamente, atenuou os muitos prejuízos materiais, com exceção dos que faziam parte da sua memória, como por exemplo móveis herdados dos pais.  

Nas nossas peregrinações quotidianas, encontramos verdadeiros heróis. No nosso território humano e familiar, os afectos e a coragem são os melhores remédios contra a crueldade do destino. A sua heroicidade não vem nos média, não vende papel, mas é diária e permanente. Parafraseando o Padre José Tolentino Mendonça, “ a vida de cada um de nós, não se basta a si própria: precisaremos sempre do olhar do outro, que é um olhar o outro, que nos mira de outro angulo.”

O casal Passarinho ama a terra que os viu nascer – Aldeia de Joanes. Nós também os amamos e desejamos-lhe toda a força do mundo, para vencer tantas contrariedades e este destino.

 

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Agosto/2013