ALDEIA DE JOANES – UMA SOBREVIVENTE

 

Mal sonhavam que, nascidos nos princípios do ano de 1927, ele em Janeiro e ela em Fevereiro, com apenas uns dias de diferença, juntariam os trapinhos aos 20 anos e contrariam matrimónio. Dessa união conjugal nasceram duas meninas das mais bonitas de Aldeia de Joanes. Aliás, a Aldeia de Joanes sempre foi um Éden de belas raparigas, cobiçadas pela rapaziada das populações limítrofes e não só.

A mãe das meninas – Maria dos Santos Marques – nasceu na Quinta do Serrado em Aldeia de Joanes, naqueles tempos os cuidados médicos eram quase inexistentes e o Hospital era uma miragem.

Na idade escolar, frequentou a velha escola, hoje inactiva e quase em ruínas, do lugar do Pau, actualmente o Largo 25 de Abril. Mais tarde, foi construída uma Escola Primária à entrada da Aldeia de acordo com as normas vigentes do Estado Novo.

Os pais de Maria dos Santos Marques sempre se mostraram interessados na educação dos filhos, apesar dos tempos serem de fome (vivíamos a Segunda Guerra Mundial). A sua mãe Hermínia Alves Nogueira e o pai Joaquim Marques separaram-se, e este, após o divórcio, refugiou-se nas Caldas da Rainha, levando o filho para aquela cidade, reconstruindo a vida numa loja de fazendas e roupas.

Aos cuidados da mãe, a filha foi uma das melhores alunas na Escola Primária de Aldeia de Joanes, tendo obtido o exame da 4º classe com distinção, na sede do Concelho do Fundão. Se não fosse a malvada crise, esta aluna poderia ter atingido um grau académico elevado. Mas, como os recursos económicos eram limitados, aceitou frequentar um Curso de Bordados na casa da Emília Baltazar, junto à Igreja Paroquial.

A sua mãe – Hermínia Alves Nogueira -, abandonada pelo marido, passou a dedicar-se à panificação caseira, em tempos em que quase tudo era racionado, havendo ainda limites no fabrico do pão. Só com muita habilidade conseguiu comercializar o precioso pão, chegando a ter como clientes os mineiros das Minas da Panasqueira.

Aos vinte anos, a sua filha Maria dos Santos Marques casou com Manuel Bernardo Campos, que além de trabalhar para o seu irmão António – comerciante de batatas e sementes -, fundou uma pequena taberna e mercearia, que naquela época vendia toda a gama de produtos: bebidas, produtos hortícolas, roupas, tudo o que era necessário para um Lar… Mais tarde, fechou a taberna, dedicando-se à agricultura e aos serviços agropecuários. No Museu Mário Salvado, um famoso artesão da freguesia de Aldeia de Joanes, lá está em madeira uma belíssima réplica desta antiga taberna e mercearia.  

A esposa passou a tomar conta da loja quando o marido foi trabalhar para a Fábrica Pimpão, ligada às farinhas para fabrico de pão, farelos e rações para engorda de animais domésticos. Passado algum tempo, já com as duas filhas casadas, foi atacado por graves problemas cardíacos, acabando por falecer aos 50 anos. Hoje, com as novas tecnologias e cirurgias, teria sobrevivido mais alguns anos.

No papel de viúva, com imensos encargos, a nossa Mulher deitou mãos à obra e não desanimou. Importa salientar que na sua propriedade rural tinha permanentemente cinco trabalhadores, a quem era necessário assegurar o vencimento. Alugou uma loja polivalente sem esmorecer, colaborando em pé de igualdade com os seus trabalhadores. Muitas vezes também se deslocava a Castelo Branco para cuidar dos netos, uma vez que a sua filha, por responsabilidades profissionais, se via obrigada a estar fora do Lar durante vários dias. Sempre com um sorriso nos lábios, ajudou muito as suas duas filhas e os seus quatro netos.

Com o avanço da idade, os terríveis problemas de saúde começaram a exigir vigilância e cuidados permanentes. Por sua própria vontade e imperativos de saúde, foi internada há dezassete anos no Lar da Santa Casa da Misericórdia em Alpedrinha, onde tem sido muito bem tratada, gozando da estima de todas as funcionárias.

Com noventa anos feitos, tem passado praticamente as duas últimas décadas em sessões quase diárias de hemodiálise, em Castelo Branco, Guarda, Covilhã… Com muito espírito de sacrifício e uma Fé inabalável, tem aguentado tudo. Quando chega às unidades hospitalares, os profissionais de saúde afirmam: “Aí TEMOS A MULHER SOBREVIVENTE”. Dada a gravidade do seu boletim clínico, já várias vezes foi dada como um caso perdido, e sempre sobreviveu, quase por milagre, como se de uma santa se tratasse. Recentemente esteve prestes a ver um pé ser amputado, mas à última hora não foi necessário.

Tem suportado estoicamente as dores, sempre com o pensamento e a oração na  felicidade dos outros, e um sorriso imenso apesar do sofrimento.

Maria dos Santos Marques é a minha santa sogra, que visito diariamente há muitos anos no Lar em Alpedrinha, a quem devo a minha esposa e filhos, e muitas das histórias que tenho contado.

Neste momento, a sua situação é muito grave e crítica. Desejo com todo o coração que possa continuar entre nós e voltar a sorrir como uma criança.

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Junho/2017