APONTAMENTOS DE TERRAS DO SABUGAL

Já há muito que não percorria as Terras de Ribacoa, onde estão as minhas origens, as minhas raízes de raiano. Nesta Quaresma passar uns dias por aqueles territórios foi como um “retiro”, uma ida para o deserto. Comungo das ideias do meu amigo de viagem, José Maria Reino: “entrar nestas terras é algo mágico que entra pela minha vida dentro. Estas gentes, estes ares, estas paisagens, fazem parte do nosso ADN.”

No Sabugal, entre a Rua do Emigrante e de Nuno Montemor, na antiga oficina do Tio António Ferrador, prestei os meus fracos trabalhos na recuperação do seu telhado, convivendo com trabalhadores quadrazenhos da construção civil.

Junto à antiga Taberna do Tó Fira, onde se apagavam muitas mágoas. Espaço de memórias e tertúlias domésticas. Os herdeiros não se entendem com o degradado edifício e se numa porta está a inscrição “vende-se”, logo ao lado há outra que diz “esta casa não se vende”. Sinais dos tempos!

No primeiro dia de trabalho encontro ao almoço, no Restaurante Mira Coa, dois conterrâneos bismulenses, que me dão a nova de que este ano em Agosto se vai realizar na Bismula a Festa Anual de Nossa Senhora do Rosário de Santa Ana, com a componente religiosa e secular. Um grupo de voluntários, Miguel Tomé, Mário Tomé, Carlos Tomé e Armando Fernandes, assumiu a mordomia e já tem o contrato com artistas musicais que irão animar as festividades. O religioso na minha opinião combina muito bem com o profano.

O emigrante José Melro, com residência nas margens do Rio Coa, tem como lema de vida “ter saúde, amizade, liberdade e vontade de trabalhar”. Com estes valores é feliz.

Tantas passagens pelo Sabugal e nunca tinha dado conta de que uma ribeira afluente do Coa, junto à Rotunda do Monumento da Batalha do Gravato, tem o nome dos Alunados e nasce na Urgeira. De onde virá este nome Ribeira dos Alunados? Não encontrei explicação.

Romagem ao Cemitério do Sabugal, visita às campas de António Reino, o Tio Ferrador, da esposa Josefa Vila Boa, à campa nº 231, onde repousam os bismulenses António Leitão, de profissão Cantoneiro, recentemente falecido, uma enciclopédia viva, e a sua esposa Florência Leitão Vasco. À saída chamou-me a atenção o monumento fúnebre da matriarca de etnia cigana Manuela Peleiros.

Manuel Horácio Jorge, ex-emigrante da Alemanha, na juventude jogador do Sporting Clube do Sabugal como defesa central, nos anos sessenta e setenta, recorda os seus tempos de futebol, nos jogos no Sabugal, em Gouveia e em Vila Nova de Tazem. Nesta freguesia, a equipa sabugalense esteve em apuros, queriam apedrejá-la após uma vitória. Valeu-lhe que o Comandante da GNR era do Sabugal. Já naqueles tempos os jogos de futebol eram batalhas.

Admiráveis os monumentos em granito a Nossa Senhora da Graça e de Homenagem ao Bombeiro no Sabugal, de autoria de um escultor brasileiro. Afinal do Brasil não vêm só mulheres com a mais antiga profissão do mundo, também vêm grandes artistas.

Na casa do João Luís Ferrão, casado com Maria de Fátima Cruz, uma grande cozinheira e uma pintora invulgar a óleo, quadros merecedores de uma exposição pública, foi a nossa despedida com amizade e ementa de javali. Este porco já não irá fazer parte do recenseamento que o Ministério da Agricultura quer levar a efeito em Portugal. Lembram-se de cada coisa. Quem e como contabilizar os bichos que entram e saem de terras castelhanas nas zonas arraianas?

Na Rua Gil Vicente tento visitar a minha Professora Primária, D. Otília da Ascensão Marques, que está ausente. Recebe-me a sua amável irmã, também Professora, que com o Coro Sénior do Sabugal tinha ido cantar ao Lar da Santa Casa da Misericórdia da Bismula. Encantam-me os trabalhos em estanho que faz com muita arte.

No mercado semanal de uma quinta feira, dia que altera o movimento das ruas do Sabugal, aconselha-se um frango assado no próprio recinto dos feirantes.

Na despedida, com a Primavera em plena força, o Sabugal tem mais encanto, com a necessidade de voltar de novo.

Lúcio Canaveira Nobre, também ex-emigrante de França, polivalente de actividades, principalmente agrícolas, diz-me que aos 16 anos já ia a pé trabalhar para a Bismula na construção civil. Foi de assalto para França, viagem que demorava uma semana, percorrendo o território de Espanha a pé, dormindo e comendo muito mal, até chegar às matas nos arredores de Paris. História de vida de milhares de emigrantes.

Já de partida recebo de Fernando Firmino, natural de Silvares (Fundão) e residente em Setúbal, um texto de Tereza Perdigão, “Como se Fazem Santos – Caso do Padre Miguel”, publicado nas páginas 90 e 91 da Revista Cultural – Sítios e Memórias:

“(…) Conta-se que na romaria da Senhora da Póvoa, quando uma mulher começou a entrar em êxtase, o Bispo teve de solicitar a ajuda dos presentes, ao que ocorreu, com sucesso o Padre Miguel exorcizando-a (…) No entanto anos depois… o Bispo da Guarda convidou-o a fazer umas férias e aproveitou para o substituir na paróquia (Meimão-Penamacor). Hoje (1998) o Padre Miguel vive na sua terra natal que é o Soito (Sabugal)… Assim se foi construindo esta imagem à qual o Padre Miguel já não pode fugir.”

Em Abril de 2019, conta-me o quadrazenho Adérito, e por diversas vezes tive oportunidade de confirmar, que são muitas as centenas de pessoas do território nacional, de França e especialmente de Espanha, que se deslocam à instituição de solidariedade social Padre José Miguel, situada no Soito (Sabugal), e que vão junto da sua campa pedir auxílio divino.

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Abril/2019