Na realidade tenho aproveitado uma maré de sorte e tenho andado por zonas de muito baixa condição social, designadas por Bairos Peri-urbanos, ou Sub-urbanos.
A minha presença deixou de ser estranha, e todos me cumprimentam como o «Tximbari» que ousa e tem coragem de circular por locais onde só Serpa Pinto terá querido entrar.
A confiança vai surgindo e os segredos vão desaparecendo. Com várias guerras na história recente qualquer pessoa pensa bem no que diz, porque a desconfiança é sem dúvida a melhor arma de defesa.
Aos pouco vou descobrindo o que mais me fascina. Como de facto estas pessoas vivem. Espantosamente nunca ouvi um tiro, uma briga, uma zanga ou mesmo o carro vandalizado. Mesmo sendo um destacado cidadão do mundo diferente da população também nunca ninguém me pediu dinheiro.
É certo que antes do anoitecer saio, com a eterna desculpa de que não vejo bem de noite e tenho muito receio de atropelar uma criança, que digo, ontem pude brincar com muídos e têm um olhar indiscritivel. Os olhos são mesmo escuros não se distinguindo a iris.
Mas os segredos vão se sabendo e ontem até colaborei como um «paisano» deste bairro na sobrevivência. A missão era conseguir energia porque uma familia tinha comprado uma casa (fiquei de facto espantado que estas casas tem escritura de compra e venda) e a vendedora tinha uma divida à empresa de fornecimento de energia que ocultou ao comprador. Como o negócio desta familia é venda de bebidas (grades de Sagres não faltavam o que não deixava também de ser algo bizarro para um português) a arca tem de funcionar para ficarem frescas e, pelo que percebi, na calada da noite há uma ligação que é desfeita no amanhecer. A fiscalização anda muito em cima destas gentes.
Pediram-me ajuda para comprar o cabo. Um tal «engenheiro» de nome Louis, educado e de pouca conversa explicou-me com detalhe o cabo que precisava: fio de 2,5 mm no mínimo com blindagem. Blindagem?
Sim. O cabo vai ser enterrado. Porque à vista era logo detectado pela fiscalização.
O plano foi bem explicado.
Tendo esse cabo, a ligação era feita num quadro de baixa tensão (numa casa que julgo que o proprietario está fora mas ainda tem energia), uma vala, sendo que a passagem do cabo nas paredes é feita também debaixo de terra. E pronto!
Foi com gosto que forneci 12m de cabo e ajudei o sustento desta familia. Acho incrivel como gente carenciada foge à marginalidade, ao roubo, ou até tráfico ilícito. Eticamente não o devia ter feito, mas a minha consciência, neste contexto, não me pesou.
De facto para além do custo da casa vão ter de assumir o custo da dívida que desconheço. Mas com mais negócio acredito que paguem porque todos tem noção do risco e da multa, que parece que funciona.
De toda a maneira acho que vou lá voltar um dia. Pode ser que descubra mais um segredo.


Tshibinda (RDC), 7 de Novembro de 2020
António José Alçada