Uma iniciativa da Santa Casa da Misericórdia da Covilhã reuniu dois mil duzentos e catorze presépios na Igreja de Nossa Senhora da Misericórdia, no Largo do Pelourinho. É um monumento histórico-religioso que, há poucos anos, a maldade de alguns queria destruir e levar as pedras e o espólio para um esconderijo da cidade covilhanense, e assim abrir terreno para “progressos”, “novos mercados” e “modernidade”, jargões que escondem muitas vezes a delapidação do património histórico a favor de mais uma catedral de consumismo desenfreado. Felizmente ponderou o bom senso e o edifício histórico continua no mesmo local e assim se respeitou a memória, a história de um povo.
Nessa Igreja, sob o tema “ A Magia do Presépio “, encontramos diversas interpretações da imagem da Família de Belém, uma história com mais de dois mil anos que continua a inspirar artistas, colecionadores, escolas, jardins-de-infância, museus, fundações… e até o Estabelecimento Prisional da Covilhã. Particular gosto pela palavra “Belém“ deve ter a primeira-dama, que enviou algumas peças da sua coleção particular.
Entramos pela porta principal e deparamo-nos com o presépio da Escola da Quinta das Palmeiras. Avançamos, vemos os presépios de Ana Manso, Francisco Elias, Filomena Gomes, Sérgio Manuel, e paramos na obra-prima de Delfim Manuel. A expressividade dos rostos, os movimentos e olhares de todas as personagens, o cuidado nas cores e na representação de todos os estratos sociais e profissionais aproximam este Presépio, altamente sugestivo, de um quadro de Bruegel.
Damos três passos para a esquerda e encontramos o presépio de Carlos Silva, mestre na arte de moldar o couro e artista total: pintor, desenhador, ator, aderecista, escultor, inventor (lembram-me que num filme de cowboys transformou um soutien de mulher num coldre com duas pistolas), realizador, animador, etc.. Há anos vi uma impressionante exposição sua dos guerreiros que fizeram a História na Moagem do Fundão. Parte do seu valoroso trabalho, esteve no Museu de Arte Sacra na Covilhã e em lojas no Cais do Sodré e no Bairro Alto em Lisboa. O grande escritor Manuel da Silva Ramos dedicou-lhe há tempos um justo e bonito artigo no “Jornal do Fundão”.
Nas belíssimas figuras em couro do seu Presépio, a originalidade volta a estar presente. O Menino ainda não nasceu, vemo-lo na saliente barriga de uma Maria sofredora, prestes a dar à luz e assistida por José. Mais do que duas figuras divinas, são dois sem-abrigo banidos da sociedade. É o Natal do esforço físico de Maria e da solidariedade de José. Nas condições mais adversas, só o esforço e a solidariedade podem trazer o Amor, a Fraternidade e a Paz ao mundo. É o único Presépio, dos muitos que vi até hoje, que apresenta a Maria grávida e o “berço” ainda vazio, onde esperam uma pequena tesoura e um fio – a fim de cortar o cordão umbilical e atar o umbigo do Menino.
Em plano elevado, com vista privilegiada para o acontecimento, um anjo parece bater as asas em aflição, ritmando o sofrimento de Maria. Ele, que anunciou o Menino, parece não ver meio do Menino nascer.
Não menos interessantes são os animais. À ovelha, de proporções avantajadas, não falta leite para amamentar o Menino nem farta lã para o agasalhar. Parece na expectativa de se livrar de tão pesada carga e não menos aflita que as restantes personagens. Na expectativa está também o cavalo, que transportou o casal de Nazaré para Jerusalém, e que foi, segundo o autor, inspirado no filme “Cavalo de Turim” do húngaro Béla Tarr.
Num cantinho, observamos duas cantarinhas com água, muito parecidas às das nossas mães, que serviam para recolher na fonte pública o precioso líquido para preparar as nossas refeições, além da higiene pessoal. Não muito longe, vemos uma lareira. A água e o fogo, para lá do simbolismo, são dois elementos indispensáveis à sobrevivência humana.
Ao sair de tanta lição que as imagens dos Presépios nos ensinam, ouço na rádio, um casal italiano, que ao ouvir as palavras do Papa Francisco sobre os imigrantes africanos que atravessam o Mediterrâneo a caminho da Europa, criou uma ambulância marítima que já salvou centenas de pessoas. Outro belo Presépio de Natal.
António Alves Fernandes
Aldeia de Joanes
Janeiro-2015