CRÓNICA CITADINA

Decorriam, na Avenida da Liberdade no Fundão, as comemorações dos quarenta anos do poder local, em sintonia com os trinta anos da fundação da rádio local – a RCB – Rádio Cova da Beira, que todos ouvimos.
As nossas duas meninas, que têm a sua aldeia no coração, nasceram junto à EN 343. Naqueles tempos, nascia-se em casa com as dores de parto e o seu desenrolar entregue a umas mulheres curiosas, algumas tinham uma longa experiência de parteiras. Também a morte tinha o mesmo cenário humano, os moribundos a morrer nos braços dos seus familiares, com braços carregados de dor e olhos repletos de tristeza e lágrimas.
Chegadas ao Largo de Táxis, apesar do imenso calor, uma multidão estava aglomerada ao palco onde decorriam as atividades musicais. Nas envolvências, diversas tendas apresentavam as valências económicas, artesanais, culturais, sociais, desportivas, religiosas, folclóricas…
As nossas meninas visitaram todos os standes, mas com maior atenção para a sua aldeia… e ficaram muito tristes. Na sua freguesia havia agrupado mais quatro que formam uma união, uma espécie de salada mista. Encontraram ali sinais bem vivos e visíveis do passado e do presente da sua aldeia.
Durante várias horas desfilaram no palco bandas filarmónicas, ranchos folclóricos, grupos de bombos, de cantares populares, de acordeonistas das freguesias de todo o concelho, com exceção da terra das nossas meninas. Juntaram-se outros conterrâneos e nem um sinal da sua pátria mãe. Não calaram a sua surpresa. Tinham-lhes dito que já não havia pobres, apesar de existir um núcleo paroquial da Cáritas, e não sabiam que não havia qualquer atividade a apresentar. Estavam nestes lamentos, quando um cidadão, residente numa aldeiazinha vizinha, próxima da antiga faixa de gaza, lhes respondeu: “ a vossa aldeia já não existe.” Olharam uns para os outros e todos foram unânimes em afirmar que em termos autárquicos era verdadeiro o desabafo daquele homem.
As nossas meninas puxaram da memória e explicaram-lhe que ninguém mata a alma e a identidade da nossa aldeia. No passado, a sua terra já teve um Governo, um Salazar e um Cardeal. E começaram por enumerar o que de momento lhes vinha à mente.
Assim, o Povo unido conquistou o terreno de um olival que lhe pertencia, ocupado por um poderoso, em tribunal todos se identificaram com o nome da sua aldeia. Também conseguiu afastar o culto dos “ protestantes.”
Somos terra de mestres de diversas profissões, temos um famoso artesão com um museu em sua homenagem e é poeta, e a até tivemos um sapateiro “analfabeto “ que dizia que “Deus nos dá mais do que aquilo que merecemos”, palavras com grande sentido teológico.
É natural da nossa terra o precursor da queima das fitas dos estudantes de Coimbra, o advogado Dr. Alberto Costa, mais conhecido por Pad’Zé, o “ Cavaleiro da Utopia.”
Tem uma das Irmandades mais antigas do país, fundada em 1233, portanto faz neste ano 783 anos de existência.
Tem uma Igreja Matriz de interesse concelhio, com património importante com uma cruz em pedra no seu exterior, numa paisagem do sagrado, a indicar caminhos de redescoberta e da afirmação da nossa identidade religiosa.
Muitos estudantes na Idade Média rumaram para a Universidade de Salamanca, onde frequentaram diversos cursos superiores.
Surgiu um rol de referências ligadas ao passado, um rancho infantil, um grupo de cantares com um CD gravado, um clube de atletismo e de futebol, um conjunto musical de violinos do agrupamento de escuteiros, as festas em honra de Nossa Senhora do Amparo e do Mártir S. Sebastião. Tudo morreu? Não, a alma de um povo nunca morre…
A festa terminou quando o Jerónimo e os Cro-Magnon apresentaram o seu novo álbum, justamente a Estrada 343, tão conhecida das nossas meninas.

António Alves Fernandes
Aldeia de Joanes
Julho/2016

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