Domingo de Ramos

“Não praticou nada que mereça a morte”

 

            Quem o reconhece e afirma é Pilatos, o governador romano da Judeia, precisamente quem tem o poder e a missão de fazer e exigir que se faça justiça. Pilatos sabe, não tem qualquer dúvida, até insiste que Jesus está inocente. No entanto, agindo contra a verdade e contra a sua consciência, condena-O à morte!

            “Os anciãos do povo, os príncipes dos sacerdotes e os escribas” acusam Jesus de instigar o povo a não pagar o tributo a César. Nada mais falso. Jesus até se tinha pronunciado a favor do pagamento do tributo, afirmando explicitamente: “dai a César o que é de César” (Lc 20,25). Depois, acusam-no de “agitador do povo”. Também isto não corresponde à verdade. Se Jesus tivesse amotinado o povo e posto em causa a ordem pública, Pilatos teria sido informado e teria agido, em tempo útil, contra Ele.

            Os acusadores de Jesus são todos gente influente, homens que ocupam lugares de destaque na sociedade judaica, são chefes e mestres do povo. A palavra de Jesus questiona-os e incomoda-os. Eles não suportam a verdade que põe em causa as suas crenças e tradições religiosas; a verdade que denuncia as injustiças que praticam e os seus desvios morais; a verdade que denuncia a arbitrariedade com que exercem o poder e os privilégios que detêm. Eles não suportam a palavra que exige uma mudança radical nas suas vidas. Por tudo isto, procuram eliminar Jesus. E para conseguirem o seu objectivo, só lhes resta o caminho da mentira.

            Pilatos sabe que os acusadores estão a mentir. Por três vezes lhes replica que as suas acusações não têm qualquer fundamento. Porém, Pilatos, o homem do poder, não tem coragem para agir em conformidade com esta sua convicção. Primeiro, querendo salvar Jesus e, ao mesmo tempo, agradar aos seus opositores, propõe-se “soltá-l’O, depois de O mandar castigar”. Solução estranha e incoerente. Se está inocente, porque O manda castigar? É a atitude dúbia e ambígua própria dos políticos. Pilatos pretende conciliar a mentira com a verdade, a justiça com a injustiça. Ao mesmo tempo, como se nisso pudesse haver alguma justiça, Pilatos pretende castigar o inocente e dar razão aos culpados, punir a verdade e premiar a mentira!

            Falhada esta proposta, Pilatos, o homem do poder, sente-se constrangido a entregar-lhes Jesus “para o que eles queriam”, ou seja, condena-O à morte. Pilatos não quer arranjar novos e perigosos inimigos. Inimigos, estes sim, capazes de amotinar o povo contra ele e pôr em perigo o seu poder. Quando está em causa o poder, quem perde sempre são os pobres, os fracos, os que não têm poder reivindicativo, os que não constituem uma verdadeira ameaça. Jesus pertence a este grupo. Por isso mesmo, Pilatos decide contra Ele. Subordina a justiça ao poder, sacrifica a consciência aos seus interesses pessoais.

            “Não praticou nada que mereça a morte”. Muitos não acreditam na inocência de Jesus e questionam que Ele seja quem diz ser. Os chefes, os soldados e um dos malfeitores zombam, troçam e insultam Jesus. Por ainda, tentam-n’O: “se queres que acreditemos em ti, dá um sinal, faz um milagre, dissipa todas as dúvidas, descendo da cruz e escapando à morte”. Esta faz-nos lembrar as tentações do deserto. Então, o diabo propõe a Jesus que faça milagres para provar que é realmente Filho de Deus (Lc 4,3.9). Como naquela ocasião, Jesus não cede à tentação, não usa o poder divino em seu benefício pessoal. Jesus tem plena consciência que é mais necessário e útil para os homens permanecer na cruz, oferecer a sua vida, dar a maior prova de amor, realizar o milagre do amor de Deus que salva os homens.

            O segundo malfeitor, conhecido como o bom ladrão, intui e proclama que Jesus “nada praticou de condenável”. Acredita na sua inocência e acredita também que Ele “é o Messias de Deus”. Por isso mesmo, não Lhe pede que o livre da morte. Sabe que Jesus tem algo muito mais valioso para lhe oferecer, algo que ele não troca por nada deste mundo, nem mesmo por mais alguns anos de vida nesta terra. Esse mais é um lugar no reino de Deus, é a vida eterna.

            “Não praticou nada que mereça a morte”. Em princípio, tu não duvidas da inocência de Jesus. Mas na hora de acreditares n’Ele, não o tentas, exigindo-lhe que faça um milagre, algo que possa eliminar todas as tuas hesitações? Será que dás o verdadeiro valor ao milagre da cruz, o milagre do amor divino: o amor que é maior que o pecado do homem, o amor que vence a morte, o amor que regenera e ressuscita para a vida eterna?

Pe. José Manuel Martins de Almeida

Foto: Joana Ramos