EÇA REVISITADO

O meu amigo Fernando Firmino, natural de Silvares (Fundão), a residir em Setúbal, é um dos meus interlocutores culturais mais estimados, tendo-me enviado pelo Natal um lote de sugestões, entre elas uma exposição na Gulbenkian dedicada ao escritor Eça de Queiroz, autor de “OS MAIAS”. Como é dos escritores portugueses por quem tenho maior apreço, comecei o ano visitando os diversos espaços, tempos e modos da Lisboa queirosiana.

À entrada desta exposição leio: “decidi fazer não só um romance, mas um romance em que pusesse tudo no mesmo saco”, referindo-se o autor a “OS MAIAS” num excerto de uma carta endereçada a Ramalho Ortigão, seu grande amigo e co-autor das célebres “FARPAS”, cujos textos apesar de escritos no séc. XIX ainda têm muita actualidade.

Num grande espaço, que peca no entanto por falta de luminosidade, encontram-se vários expositores sobre a sua vida e obra, e ainda temos à vista o mobiliário de Eça de Queiroz.

A viagem inclui os sons do Portugal queirosiano, um mosaico musical do imaginário da época, uma montagem com excertos de óperas, operetas, valsas, zarzuelas, etc..

“OS MAIAS”, de 1888, uma obra-prima da literatura portuguesa e mundial, merece lógico destaque.

Na parede principal da exposição está afixada uma Biografia, uma longa página cronológica, com  fotografias, manuscritos, acontecimentos, publicações, comentários…

Entre tantas efemérides, há uma que me desperta a atenção: a certidão de nascimento de Eça de Queiroz, com a data de 21/11/1845, na Póvoa do Varzim, filho de mãe incógnita. Em primeiro lugar, porque um século depois aconteceu o meu nascimento. Em segundo, porque na longa viagem da minha vida consultei muitas centenas de certidões de nascimento por motivos profissionais e esta é apenas a segunda onde aparece “filho de mãe incógnita”. A primeira era de um pobre recluso que conheci da Zona do Pinhal, no Distrito de Castelo Branco, que um dia entrou na cadeia como “filho de mãe incógnita”. Não tinha dinheiro nenhum… Disse-me com emoção: “nos ossos só levo a tuberculose”.

Curioso também constatar que até o Eça, – autor de romances, crónicas, contos, artigos de opinião, de uma vasta epistolografia, de textos inéditos e inacabados, além dos cargos que desempenhou – se queixava da falta de dinheiro e de saúde. Não será o escritor também um recluso dentro das grades das suas ideias?

Regressando a “OS MAIAS,” em tempos muitos próximos debateu-se o “saneamento” desta obra literária do ensino oficial do Português. A alguns sectores da vida nacional interessava esse esquecimento, esse afastamento, prova de que esta obra escrita há mais de um século continua a incomodar muita gente…

“OS MAIAS” são o retrato da decadência social das classes mais abastadas, onde se apalpa tudo menos a Moral. O livro aponta as ilusões, as ociosidades, as relações perversas, sempre como pano de fundo a política que se desenrolava na Capital onde o capital não traz a felicidade. Aconselho vivamente a (re)lerem, se não toda a obra, pelo menos a parte final de “OS MAIAS”. Não falta matéria de meditação para o nosso Portugal Contemporâneo…

Hoje recordo as palavras do Padre António Vieira: “o livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia e um morto que vive.”

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Janeiro/2019