“…eles dizem e não fazem”

Depois de o ter feito por meio de inúmeras parábolas, agora, num discurso directo e implacável, Jesus ataca os escribas e fariseus, apontando a falta de coerência e os aproveitamentos indevidos que eles fazem da missão que exercem junto do povo. Jesus esclarece as pessoas, para que não se deixem enganar por eles. Diz-lhes que eles não são o que parecem e querem fazer crer. Mais, Deus não aprova a sua conduta, muito menos está de acordo com “os fardos pesados” que impõem aos homens.
Os escribas e os fariseus ensinam a lei de Moisés, mas não vivem segundo a lei que ensinam. Fazem as leis, mas não cumprem as leis que fazem. Gostam de dar nas vistas, ocupar os primeiros lugares, ser elogiados pelos homens e receber títulos honoríficos. Esquecem que o único verdadeiro Mestre e Doutor é Jesus, o Messias, e o único Pai de todos os homens é Deus. O Deus que faz de todos os homens irmãos: “vós sois todos irmãos”, lembra Jesus. É na base desta verdade que se devem construir as relações entre os homens, independentemente dos cargos que desempenham ou dos lugares que ocupam.
“…eles dizem e não fazem”. Também os sacerdotes, segundo o profeta Malaquias (primeira leitura) são objecto de censura e de ameaça por parte de Deus. Deus constata que os sacerdotes do templo de Jerusalém não escutam a sua palavra, não dão glória ao seu nome e não seguem pelo seu caminho. Fazem distinção de pessoas e desviam muitos de Deus com o seu mau exemplo. Os sacerdotes, que deveriam servir a Deus “em santidade e justiça” e levar o povo a prestar um culto agradável ao Senhor, vivem sem fé e sem amor, desinteressados e desleixados em relação aos seus deveres religiosos, procurando apenas garantir o seu sustento e bem estar.
“…eles dizem e não fazem”. Não só os fariseus e os sacerdotes da antiga lei, mas também muitos sacerdotes da nova aliança, muitos educadores e governantes de todos os tempos “dizem e não fazem”.
A quem tem a missão de estar à frente não basta a legitimidade da lei. Para que a sua missão seja credível e eficaz, não lhe pode faltar a autoridade moral, o testemunho e a coerência de vida. Não basta ensinar a verdade ou propor o bem. Muitas vezes até isso falta! É indispensável que viva a verdade que ensina e pratique o bem que propõe aos outros. Caso contrário, como é que os fiéis em relação aos sacerdotes, os filhos em relação aos pais e os cidadãos em relação aos governantes os poderão tomar a sério? De facto, muitos não podem ser tomados a sério!
“…eles dizem e não fazem”. E eu? Talvez também não fuja muito à regra! Fixo-me, pois, por momentos, em mim e na minha missão:
Se proclamo a palavra de Deus, mas não a medito no meu coração e não a faço descer até à minha vida; se peço às pessoas para rezarem mais e eu dedico pouco tempo à oração; se lembro constantemente aos cristãos a importância e a necessidade de perdoar, mas eu guardo ressentimento em relação a alguém; se exorto à partilha e ao desprendimento dos bens e, depois, exerço o ministério sacerdotal com espírito de ganância; se falo da importância da humildade e do espírito de serviço, mas procuro os primeiros lugares, reclamo atenções e tratamentos especiais; então, perderei toda a credibilidade e induzirei as pessoas a pôr em causa a verdade do Evangelho.
Por isso mesmo, o que mais se exige e espera de todo aquele que exerce algum ministério dentro da Igreja é o testemunho de vida. Não faltam, porém, aqueles que, como os escribas e os fariseus, procuram chegar aos primeiros lugares, conseguir títulos honoríficos e privilégios humanos. Esses servem-se da Igreja, embora digam que a servem, pelo que ela tem e lhes proporciona de atractivos humanos. Normalmente, fazem questão de se apresentarem como os mais fiéis à Igreja, os mais acérrimos defensores da sua doutrina e leis eclesiásticas. Trata-se, como é óbvio, de um artifício para dissimular as suas intenções e objectivos nada evangélicos. Na verdade, como podem ser fiéis à Igreja, se são infiéis a Cristo e ao seu Evangelho? Este tipo de (in)”fidelidade” humana, tão comum e tão apreciada em certos sectores da “Igreja”, afasta muitos homens de Deus e da Igreja de Cristo!

Pe. José Manuel Martins de Almeida