ENCONTRO EM JANEIRO DE CIMA

Ainda o sol despontava envergonhado no horizonte, já se seguia com destino a Janeiro de Cima, a freguesia mais longínqua do Concelho do Fundão, onde iria decorrer mais um encontro, o LXIX de ex-bancários do BPSM da Covilhã e do Fundão, na residência de uma antigo companheiro de trabalho, Fernando Fernandes dos Santos.

Era o regressar à aldeia-princesa das Terras do Xisto, que me ficou para sempre na memória. Fez em Setembro dez anos que aí acompanhei o meu filho Mário Fernandes, e os seus amigos, na realização da sua primeira longa-metragem: OESTE PERDIDO, o primeiro western português, com direito a uma inesquecível exibição na Igreja Matriz de Janeiro de Cima e, mais tarde, na Meca do Cinema – a Cinemateca Portuguesa.

Eu, naquele tempo com sessenta anos, juntei-me a uma equipa de rapaziada nova, entre eles os ainda jovens cowboys Rui Pelejão e Paulo Fernandes, dois protagonistas shakespeareanos num projecto quixotesco, pois não havia dinheiro para mandar cantar um cego, quanto mais um Titã zarolho rodeado de ovelhas. Aqui partilho as palavras de um dos maiores Realizadores do Cinema Português e Mundial, Manoel Oliveira, “não tendo dinheiro para filmar a carruagem, filmam-se as rodas, mas filmam-se bem.”Dava cinquenta cêntimos por dia ao meu filho para tomar um café, cozinhava para a malta, dez, quinze, vinte… e ainda transportava animais para os locais de filmagem. Por Janeiro de Cima e arredores, percorremos ruas estreitas, casas e muros de xisto, vales, colinas, serranias, rios e ribeiras, minas, todo um território humano e geográfico. Além dos atores amigos, também participaram algumas pessoas de Janeiro de Cima. O filme bebia muito da realidade, inspirando-se na paisagem política e social ligada às Minas da Panasqueira (a empresa inglesa Beralt Tin colonizava o território), filmada por vezes como uma tragédia grega.

Também estão bem vivas na minha memória as festividades em Honra do Mártir S. Sebastião e com quem se convivia. O Povo de Janeiro de Cima faz uma grande cozedura de pão, que é distribuído e partilhado por centenas de romeiros, para afastar os males e as pragas do mundo.

Recordo hoje a amizade de Álvaro Ramos Dias, padeiro e ex-autarca, de Filomena Santos Martins Latado, da Tia Lurdes, proprietárias de comércios locais, ou de Diamantino Gonçalves, um extraordinário diretor de fotografia no filme, e profundo conhecedor da região, que tão bem tem retratado, recebendo os maiores elogios dos seus admiradores e observadores. Assim como se recorda o generoso Leonel Barata, à época no Restaurante Fiado, o Café do Cardoso, o Bar do Passadiço, a Casa de “loucos” Alvim Costa, com regulamento interno e horários para cumprir, e os nossos vizinhos, os funcionários e utentes do Lar da Terceira Idade. E de muitos outros amigos poderia falar, como o companheiro Sr. Júlio Dias Marques, que à entrada de Janeiro de Cima me veio dar um abraço, antes de voltar ao seu posto, junto ao busto de João Paulo II, para apanhar Sol no Largo da Igreja. Às vezes a luz divina não chega para aquecer…

Do encontro de ex-bancários, registei um belo poema de José Ramos Domingues:

“Conviver é nosso lema/Nesta nossa União/Somos bancários de gema/Da Covilhã e do Fundão.

Somos veteranos/Bancários reformados/ E por muitos anos.

Nós somos os Veteranos/Que gostam de conviver/A vida são desenganos/A Vida passa a correr.

Aos colegas que partiram/Para a terra da verdade/Estarão sempre presentes/E Lembrados com saudade.

A Vida são desenganos/ A Vida passa a correr/nós somos os Veteranos/Gostamos de conviver.

Num convívio salutar/Unidos numa amizade/Iremos continuar/Com muita, muita vontade.

Desta vez, Janeiro de Cima/Foi escolhido, já tinha dito/Era borrego saboroso/Até parecia cabrito.

Nós Bancários todos fomos/E todos fomos e todos sandes/Só há uma pessoa que não foi/É aqui o amigo Fernandes.

Um convívio de Bancários/É um evento salutar/Que se faz em locais vários/Que eu nunca quero faltar.”

Depois de visitar o património humano e histórico da aldeia, partimos de carro e olhei uma última vez para trás. Lá estava uma das placas que mais me emociona: “JANEIRO DE CIMA – ALDEIA DO XISTO – SAUDA-VOS”.

 

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Outubro/2016

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