Estava no silêncio da minha secretária, atafulhada de dossiers, livros, jornais, rascunhos, esferográficas, agendas – uma mesa cheia de tudo e de nada -, quando a minha Esposa tomou a iniciativa de marcar um encontro com alguns amigos e familiares, sinalizando uma data importante na nossa vida: 47 anos de casados, com altos e baixos como em todas as histórias de Amor, sobretudo quando duram tanto tempo. Como nunca sabemos a nossa hora, o melhor é aproveitar os momentos felizes com aqueles que mais gostamos.

Há cerca de dois meses que as ansiedades, sonolências e rasteiras da memória não me incomodam. Combato uma doença silenciosa com encontros, diálogos e textos. Às vezes, muitas vezes, vem uma voz amiga saudar-me ou abraçar-me num gesto fraterno; outras, aprecio os olhares de pessoas idosas como eu e adoro partilhar histórias de vida: de um varredor a um ex-recluso ou a um ex-funcionário. Aprendo com todos eles e todos me ajudam, com palavras de estímulo e coragem, a caminhar em frente, a derrubar muros e obstáculos como nas vidas complicadas de tantas pessoas cuja história tenho registado.

Para este Encontro não se escolheu um ambiente de luxo, nem lugares inóspitos ou exóticos, nem itinerários de viajantes, Alpes ou Picos. Escolheu-se a nossa pequena quinta, onde se realizou a festa do nosso casamento entre árvores de fruto e os trilhos das amoras silvestres. A quinta é da Nave de Cima, não é uma Nave Espacial, apenas uma Nave Especial.

A ementa do dia é constituída por uns aperitivos preparados pela dona da casa, uma sardinhada vinda, ainda fresca, de Setúbal e, à noite, entremeadas, bifanas, entrecosto e morcelas de um dos bons talhos do Fundão, com a devida escolta do vinho fundanense.

Iam chegando alguns amigos: o companheiro de estudos de Gouveia, o vizinho guardador de rebanhos, o camarada de armas da BENG. 447 da Guiné, o padrinho de baptismo do meu filho mais novo, dois companheiros das andanças escutistas, um filósofo com a sua quinta em residência aberta, dois samaritanos sempre de solução no coração, um companheiro das lides autárquicas e o seu filho, sem esquecer o abraço afectuoso e prolongado do Jerónimo Mateus, o mentor e  vocalista da banda Cro-Magnon.

Do campanário da Igreja Matriz chegam-nos os sons dos sinos, executados por Higino Serra, trazendo à presença bodas passadas. O músico britânico Tom Hamilton tem aqui matéria de recolha, aquele a que muitos já apelidam de um segundo Michel Giacometti. Os toques dos sinos ainda marcam as vidas nas nossas aldeias rurais e meio urbanas, um património imaterial da humanidade que está a desaparecer e é urgente preservar.

Quando se ouve o toque das Trindades, todos regressamos à mesa da ceia e, durante algumas horas, habitamos fraternalmente, sem o ruído das televisões, sem computadores, sem enlatados audiovisuais…

Não podia ter sido melhor o regresso à Beira dos amigos e companheiros de jornada, agradecendo à minha Esposa, grande obreira deste maravilhoso Encontro.  

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Setembro/2018

CAMINHADAS E PASSEIOS NA BELA VISTA
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