Tive muita sorte. Mesmo muita sorte de os meus pais nunca me obrigarem a ter uma opção religiosa, deixando-me em adolescente decidir pela minha consciência. Mais tarde tive a oportunidade de conhecer Manuel, Primeiro Bispo de Setubal, que entendeu rapidamente a importância do escutismo na formação dos jovens, acabando por ser um privilegiado por ter convivido com ele muito próximo. E a sua palavra acabou por ser a luz que precisava para me orientar nos caminhos da vida, sendo tolerante, ecuménico e estar sempre alerta para servir independentemente da cor, do credo, do pensamento, da justiça. Separar o trigo do joio, o material do espiritual é o segredo!
Efetivamente nos tempos de hoje é muito difícil convencer a juventude da importância da Igreja. O problema no meu entender é o facto de se confundir a instituição Igreja com a chamada “Palavra de Cristo” ou mais sucintamente a religião.
A Igreja é uma instituição formada por homens e mulheres tal como qualquer um dos leitores. E ninguém é perfeito tal como o clero, a nobreza e o próprio povo.
O D. Manuel, sem se aperceber, conseguia transmitir uma mensagem de equilíbrio na nossa relação interior. E não passava da palavra. Atuava através do exemplo. E penso que ninguém contesta este meu pensamento.
O «equilíbrio» sem dúvida é a «chave» de uma boa conduta social. E curiosamente encontramos no pensamento de Karl Marx exatamente alguns princípios que estão vertidos nos Evangelhos porque apontam para o equilíbrio social. E provavelmente encontraremos noutros filósofos ateus outras semelhanças com o que nos foi legado pelos textos Bíblicos.
O que aprendi nesta «escola» foi o respeito pelo próximo como base para a boa convivência social, ou seja, a tão desejada «paz». E na verdade o que herdámos como base da nossa civilização foi a moral escrita na Bíblia, tanto no antigo, como no chamado Novo Testamento. Mesmo outras confissões religiosas, como o Islão, condenam moralmente atos humanos que todos reprovamos: não matar, não roubar, não mentir.
Com o tempo fui aprendendo que não era apenas o equilíbrio interior que a religião me poderia ajudar a ter uma melhor conduta para com os outros.
Houve uma fase da minha vida que não achava interesse no casamento na igreja, ou a primeira comunhão, ou as procissões ou até a «correria» a Fátima, que também, como tudo na vida tem um lado bom e um lado mau.
O tempo, grande aliado do nosso pensamento, acabou-me por ajudar a refletir e entender que a Religião Católica está na base da nossa matriz cultural e social. Não se trata do padre A ou padre B dizer atrocidades como nós, nada disso!
Os designados sacramentos religiosos, como o Batismo, o Crisma, o Casamento, a primeira comunhão, têm um lado social e cultural. Mesmo para um ateu convicto, estas cerimonias juntam a família e o mais importante transmitem aos mais novos aspetos da cultura que nos distingue de outros povos e civilizações. No meu caso pessoal até fiz questão de comemorar numa celebração muito simples as bodas de prata do meu casamento para que as minhas filhas sentissem a importância do casamento (ou união) como pilar da nossa sociedade.
Mesmo nas uniões com casais do mesmo sexo, ou uniões de facto, para quem tem descendência (natural ou adotada) é importante celebrar estas marcas da nossa vida. Ao contrario de outras civilizações a família é o casal (homossexual ou heterossexual) e os filhos. A nossa sociedade reprova, pelo menos por enquanto, a poligamia. E esta consciência vem das bases que os nossos antepassados nos deixaram.
No caso das manifestações religiosas mais amplas, como procissões, também marcam culturalmente um bairro ou uma aldeia. Cada procissão tem um código genético e é diferente da terra do vizinho. E estas cerimónias igualmente passam de gerações em gerações, havendo muitas vezes um lado laico, porque todo esse conjunto marca o povo dessa terra. Por isso, na minha opinião, não devemos menosprezar estas manifestações, seja ao nível familiar como da aldeia ou vila, porque nos ajuda a sermos portugueses e europeus.
Por isso voltamos ao ponto de partida: o Equilíbrio!
Cada um é livre de pensar, de acreditar, de se manifestar, mas não devemos menosprezar se temos a atual matriz social não é por acaso.
Sim, eu sei! A Igreja não concorda com muita coisa aqui escrita. Tenho pena, mas somos livres e foi um Bispo Católico que me fez seguir este caminho.
Obrigado D. Manuel, Bispo de Setubal

Sé de Setubal, 1 de janeiro de 2019

Pastor