FUNDÃO – AMÁLIA, A MAL AMADA…

Nos tempos do Estado Novo, as três “modalidades” para entreter o Zé Povinho eram Fátima, Fado e Futebol.

Em relação ao mundo do Fado, as artistas eram do povo, da gleba, das Beiras, e não evitavam que fossem conotadas com o mal, o pecado, o maligno, pelo menos aos olhos do regime.

Longe estavam os tempos em que o Fado seria considerado pela Unesco como Património da Humanidade, longe os tempos do Fado para inglês ouvir.

Amália da Piedade Rebordão Rodrigues nasceu em Lisboa, filha de Lucinda da Piedade Rebordão e de Alberto Rodrigues, naturais do Fundão. A sua avó materna era natural do Souto da Casa.

Como a maioria dos habitantes das Beiras, os pais de Amália Rodrigues emigraram para Lisboa à procura de futuro, embora nunca esquecendo as suas raízes fundanenses. Assim, a sua filha foi batizada na Igreja Matriz do Fundão a 6 de Julho de 1921 pelo Padre António Augusto Moreira Pinto.

Foi educada pela avó e conheceu diversas profissões: por exemplo, trabalhou numa fábrica de bolos, numa loja de recordações e ajudava a mãe a vender limões.

Os seus dotes musicais manifestaram-se numa Festa para Pais e Professores da Escola Primária da Ajuda.

Em 1935 desfilou nas Marchas dos Santos Populares de Alcântara e começou a cantar para instituições de beneficência.

Em 1939 cantou o Fado no Retiro da Severa, foi atracção no Teatro Maria Matos e participou em filmes.

Na década de quarenta, veio actuar no Casino Fundanense e uma “certa burguesia dominante” abandonou o espectáculo. Consta que era mal vista por determinados sectores do Fundão e a sala ficou quase vazia. Ninguém é provecta na sua terra. Um dia alguém escreverá a história de todas as grandes figuras culturais que passaram pelo Fundão e que mereceram indiferença ou desprezo pela maioria.

Nessa época apareceu uma voz destacável em sua defesa, Armando Paulouro, que afirmava aos quatro ventos: “vamos ouvir a voz da Severa.” Assim, a Amália passou a admirar este grande Senhor, como admirava e tinha estima por António Paulouro e Família.

Anos mais recentes, veio actuar ao Pátio da Santa Casa da Misericórdia do Fundão, em benefício desta instituição caritativa. Numa visita de cortesia do Coronel Carlos Clemente, também aceitou o convite deste para actuar numa Noite de Fados em Aldeia Nova do Cabo para fins sociais. Colaborou, ainda, com peças do seu espólio para uma exposição na Caixa Agrícola do Fundão, para angariação de fundos para o Abrigo de São José.

Como romeira, deslocou-se ao Santuário de Santa Luzia no Castelejo e, no regresso, foi conhecer o Souto da Casa, onde morou a sua avó materna.

Uma delegação da Junta de Freguesia do Souto da Casa, com o dinamismo do Presidente Luís Castanheira Rebordão, seu parente, visitou-a e apresentou-lhe um projecto para criar um Museu Amália Rodrigues na casa da sua avó materna. Esta ficou entusiasmada com a ideia e disponibilizou-se para oferecer muito do seu espólio pessoal. Quem não esteve de acordo, se encolheu e amedrontou, foi o poder municipal fundanense da época. Tudo se evaporou e só ficaram as boas intenções da Junta de Freguesia. Imaginem o quanto teria sido importante para o Souto da Casa e para o concelho do Fundão ter um Museu Amália Rodrigues!

Em 1989, a Assembleia Municipal do Fundão atribuiu-lhe a Medalha de Ouro da Cidade, mas nunca lhe a entregaram, possivelmente ficou esquecida numa gaveta. Só oito meses após a sua morte é que a malfadada medalha foi entregue ao sobrinho José Manuel Rebordão Rodrigues.

Recentemente tem na toponímia do Fundão uma Praça com o seu nome em frente ao Pavilhão Multiusos.

Por influência do meu Pai, um admirador incansável do Fado da Amália, fiquei seu fã incondicional. Quando visitei o seu túmulo no Panteão Nacional, repleto de flores do povo anónimo, ajudei uma senhora com mais um carregamento de flores. Disse-me: “É para colocá-las na Senhora Dona Amália. Nunca são demais, ela merece tudo.”

No Fundão não houve flores…

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Setembro/2018