FUNDÃO – ESPAÇO BIBLOS

Através das redes sociais tive conhecimento de que iria ser inaugurado o Espaço Biblos, na Rua do Serrão nº5, na Zona Histórica, não muito longe do Museu Arqueológico da cidade.

Num tempo em que as livrarias fecham portas, este projecto ganha especial importância, sobretudo numa cidade onde a palavra escrita, com excepção da Biblioteca Eugénio de Andrade, se cinge praticamente a quiosques, cafés e papelarias. Este é mais um dos projectos da Associação Luzlinar com o Município do Fundão, em parceria com a Editora Alma Azul e apoio do Ministério da Cultura. Os promotores criaram um espaço acolhedor, que procurará dar a conhecer autores de língua portuguesa, proporcionar exposições de artistas “inclassificáveis” (o primeiro foi o fundanense António Fontinhas) e disponibilizar livros para compra, troca ou simples consulta de várias temáticas: a nossa Beira (um dos objectivos é juntar o maior número possível de livros de autores e editores da Beira Baixa), a literatura universal, a poesia ibérica, a sociologia, a filosofia, o cinema (todas as edições da Cinemateca Portuguesa estarão presentes), etc.. É um lugar que sem dúvida fazia falta à cidade e que, a partir de agora, é pertença de todos.

A caminho do Espaço Biblos oiço músicas natalícias e de longe avisto alguns companheiros olivicultores que acabam de recolher a preciosa azeitona. Todas as montras mostram o seu presépio, às vezes parece que estamos num sítio onde só se vendem presépios: presépio na Barbearia de Joaquim Caldeira, presépio da Cruz Vermelha, presépio no Turismo do Fundão, presépio na Farmácia, presépio no atelier de pintura de Francisco Amaro, feito com lascas de xisto e peças de um rádio desmantelado… Passo pela Rua da Cale e lembro-me do refrão: “ai Cale, tão linda rua, tanto cheia, como nua”… Na Rua da Amoreira leio a antiga inscrição: “eu respeito a língua de Camões”. Quase em frente, resiste um alfarrabista há várias décadas, que agora vai conhecer uma nova dinâmica com a ligação ao espaço Biblos e com um catálogo online. Esta breve deambulação tem como destino assistir a uma viagem pela obra completa do escritor Manuel da Silva Ramos, o primeiro convidado, que será apresentado pelo albicastrense Mário Fernandes.  

Quando chego encontro o espaço já repleto de pessoas das mais diversas idades, tendo sido necessário buscar mais cadeiras. Feitas as apresentações do projecto, num ambiente descontraído e informal, inicia-se a conversa entre o escritor Manuel da Silva Ramos e o cineasta Mário Fernandes, que começou por ler um bonito e comovente texto de apresentação do autor, comparando-o a “um alfaiate que dá pano para mangas”.  

Durante mais de três horas deliciamo-nos com um diálogo apaixonante, num permanente estado de bom humor, disposição, participação e grande conhecimento dos dois principais intervenientes, que não separam a literatura da vida, contando histórias reais e imaginárias, lendo textos, partilhando interrogações, memórias, alegrias e vários sarcasmos contra o “estado da Nação”. Num cartaz composto por frases de todos os livros de Manuel da Silva Ramos, podemos ler que “um livro existe para acabar com o mundo.”

Nasci, cresci e vivi entre livros, objectos palpáveis e sensíveis que aprendi a respeitar, são os vizinhos que me abrem as portas do sonhos. Gosto de acariciá-los, de cheirar o papel, de pesá-los com as mãos… Quando adquiro um livro é como conhecer um novo amigo e oferecer um livro a alguém é uma prova de grande amizade. Entre os meus melhores amigos contam-se alguns livros do nosso Homem: “Café Montalto”, “Pai, levanta-te, vem fazer-me um fato de canela!” (o seu Pai, que ainda conheci, era um solidário alfaiate do Refúgio que ofereceu muitas roupas aos reclusos…), “Ambulância” e “Três Vidas ao Espelho”, este em grande parte inspirado na história do meu padrinho Brigas, contrabandista assassinado por um carabineiro franquista.  

Em tempos em que os livros se misturam com produtos de higiene nas prateleiras do supermercado, é essencial haver cantinhos de amor à literatura e aos autores, é essencial haver este espaço dedicado à palavra, ao encontro, à partilha, à aprendizagem e ao debate. Todos sabemos que só às ditaduras lhes interessa um mundo sem livros.

A próxima escritora convidada para este novo espaço literário no Fundão será Lídia Jorge.

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Dezembro/2018