“Quando a crise não é geradora de grandes audácias, mais indicado é dar-lhe o nome de agonia.”

Natália Correia

Em boa hora, com a colaboração da Câmara Municipal do Fundão e do Centro Cultural da Gardunha, decorreu no Casino Fundanense, no Salão da Concha, um evento cultural dos mais importantes ao qual assisti. Com o Salão repleto, pequeno para tantos participantes, esta tertúlia vai ficar na memória de muitos fundanenses, contrariando a ideia de alguns velhos do Restelo de que o Fundão não tem atividades culturais. Prestou-se, contra ventos e marés, uma homenagem a Natália Correia, lançando-se um livro de Fernando Dacosta -“o BOTEQUIM DA LIBERDADE”- com a presença do autor.

Quem não conhece esta mulher nascida na Ilha de S. Miguel, (Açores), que foi poeta, dramaturga, romancista, ensaísta, cronista, conferencista, deputada, oradora, editora, tradutora? Quem não conhece esta mulher irreverente, sedutora de gestos, independente, com grande carácter e personalidade? As causas, as pessoas de coração aberto e sonho livre tinha-as a seu lado. As pessoas das manipulações e da serventia tinham nela um terrível inimigo.

Antes de qualquer interveniente tomar a palavra, foi projetado um vídeo da autoria do médico António Lourenço Marques. Aí vemos Natália Correia, que declama dois poemas do grande poeta albicastrense António Salvado.

Fernando Dacosta, seu interlocutor, sublinhou que há dois aspetos importantes do pensamento de Natália Correia, na sociedade de hoje. Em primeiro lugar, vinte anos depois da sua morte, os Portugueses estão a redescobrir a Natália Correia, mulher que viveu à frente do seu tempo, com uma qualidade fora do normal, porque não mandava recados sobre o que pensava das pessoas, dizia tudo na cara, não se coibia de lhes afirmar o que pensava delas.

Em segundo lugar, a redescoberta da sociedade portuguesa de Natália Correia deve-se à situação em que o País se encontra. Estamos numa das fases mais difíceis da nossa História. Já perdemos a autonomia, já perdemos muito da nossa independência e da nossa identidade. A este propósito, um dos maiores vultos do jornalismo português, escreveu: “Portugal terá alienado quase tudo o carateriza um País soberano. A eletricidade nas mãos dos chineses, parte dos bancos e combustíveis nas mãos dos angolanos, os cimentos e as telecomunicações nas mãos dos brasileiros e os aeroportos na mão dos franceses…o que nos resta? Nada. Se isto vai ser um País soberano, prefiro que voltem os Filipes.”

Que diria a Natália Correia se lesse hoje a realidade deste pobre país? Que diria se ouvisse os nossos políticos a mentir todos os dias e a prometer o paraíso? O desemprego jovem aumenta a passos galopantes; entregam-se condecorações a saldo; a justiça está inclinada na balança; as leis laborais são de arrepiar; a classe média está a desaparecer; não há investimentos e a agricultura e as pescas estão em agonias permanentes. A Natália tinha que corrê-los à vassourada.

Segundo Fernando Dacosta, a Natália Correia “preferia não viver do que ver o que está acontecer”.

Natália Correia tinha grande admiração por esta Região do País, principalmente por dois motivos principais: o Jornal do Fundão, leitura obrigatória, e o seu fundador António Paulouro.

Ao fim de mais de duas horas, saí daquela tertúlia literária mais rico e com histórias do grande humor de Natália Correia no seu “Botequim da Liberdade “, na Graça em Lisboa.

Apelo a todos que leiam o pensamento de Natália Correia. Se o País tivesse, nas suas diversas fileiras, mulheres desta grandiosidade, verticalidade e frontalidade, os caminhos da democracia, da liberdade e do desenvolvimento estariam noutros patamares.

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Fevereiro/2014