Tenho de pedir desculpa aos leitores e leitoras por usar estas crónicas para falar de um livro que escrevi. De facto, foi a minha primeira experiência de livro digital, que sinceramente reconheço ser muito impessoal. Mas com estas novas doenças, as apresentações em público são um risco, e não vi outra alternativa. Para além de não ser cómodo, para quem não usa as tecnologias, tem no entanto a vantagem do preço que é sensivelmente de uma bica.

Muitas perguntas me foram dirigidas e, muita gente, não entendeu o motivo. Daí que tenha aproveitado a crónica desta semana para falar um pouco do livro, visto que não houve apresentação, nem tão pouco está agendada.

Em primeiro lugar o livro foi escrito na língua inglesa, exactamente para fazer um exercício de esforço de memória. A minha mente estava debilitada e em vez de entrarmos na ladaínha do coitadinho era preciso recuperar o tempo perdido.

Em segundo lugar este tipo de maleitas acontece a grande parte da população do designado mundo «rico». Aqui onde estou, no interior de Angola, sinceramente nunca vi ninguém com este tipo de preocupações.

Também é verdade que a «pressão», que nos origina danos no cérebro, aqui também não existe.

Em terceiro lugar era fundamental não «cair» na dependência familiar ou de profissionais de saúde. Pese embora a família nuclear, amigos e familiares próximos sejam importantes na recuperação, acima de tudo tem de ser o paciente por si a encontrar o seu caminho.

Em quarto lugar porque motivo escrever um livro? Escrever, no meu caso, ajudou-me a exteriorizar o pensamento, a imaginar o que mais me agradava e pôr em marca o cérebro. Por outro lado, daqui a alguns anos, poderei ler outra vez e analisar a minha evolução. No livro, tentei explicar sucitamente e de uma forma muito aberta o que fui pensando para ir ultrapassando os obstáculos.

Em quinto lugar o eventual interesse. Quanto mais andamos no caminho da vida, mais risco temos de entrar numa depressão. E algumas podem provocar lesões cerebrais graves, felizmente não foi o caso. E, uma das conclusões que se tira, é que não somos iguais, significando que o tratamento que fiz pode não ser eficaz noutra pessoa, o que torna muito complexa a matéria de estudo. Por isso muitos amigos, e amigas, ligados à psicologia adquiriram o livro.

Em sexto lugar não me senti constrangido por o ter feito. Com isto espero ajudar quem precise, e aos meus amigos, entender o que se passou comigo num período que me isolei. De facto com a pandemia continuei isolado por opção, atendendo à responsabilidade que tinha de ter de me deslocar para o estrangeiro a qualquer momento e seria muito grave, antes de embarcar, o teste dar positivo.

Em sétimo lugar reconheço que a fase acabou por ser positiva. O princípio de que devemos tomar o lado bom da vida funcionou em pleno e, reconheço, hoje sou uma pessoa diferente no que refere a valores que estão a desaparecer, ao respeito pela família, nuclear e não só, aos necessitados e acima de tudo ao apego pelos bens materiais. Hoje é-me indiferente ter ou não carro, roupa de marca, smartphone pequenos objectos que na realidade só contribuem para a desigualdade social e que, com o tempo, não trazem qualquer felicidade, a não ser em termos de competir com o «vizinho».

Em oitavo, e último, explico porque optei para vir para um país muito diferente da Europa, onde meios e tecnologia são escassos mas que não deixa de funcionar e, as pessoas são felizes ou infelizes, como em qualquer parte do mundo. É a verdadeira lição de vida que se tira é ver felicidade onde, aparentemente, um europeu não a vê. E tenho aprendido muito sobre isso contribuindo para a minha progressiva desmaterialização da vida, também porque, neste caso concreto, a vida nestes territórios é uma graça que é louvada diariamante por quase todas as confissões religiosas.

Relembrando o meu saudoso Pai, um homem (ou mulher) de facto nunca está bem!

Nova Centralidade do Dundo, 12 de Setembro de 2020

António Alçada