8.12.2013 – Solenidade da Imaculada Conceição e Ordenação do Diácono Daniel Cordeiro

Homilia Imaculada Conceição

1. Celebramos a solenidade da Imaculada Conceição de Maria Santís­sima, que para nós portugueses é a festa da Padroeira. Por ser a festa da Padroeira e por especial concessão da Santa Sé a Portugal, sobrepõe-se à Liturgia do II Domingo do Advento.

Celebrar a festa da Padroeira, Nossa Senhora da Conceição, é lembrar a nossa identidade de nação e de povo, desde o início ligados à denominada terra de Santa Maria, título que presidiu às campanhas do Fundador da nacionalidade. É lembrar também como, desde os tempos da restauração, tanto as Cortes do reino como a Universidade de Coimbra professaram a verdade e o privilégio da Imaculada Conceição de Nossa Senhora, isenta de pecado desde o primeiro momento da sua conceição. Esta mesma verdade viria a ser assumido como dogma pela Igreja, no ano de 1854, portanto, séculos depois de a intuição do povo português se ter manifestado quer em sede das Cortes do Reino quer através da nossa única universidade de então. Podemos dizer que há uma ligação umbilical entre a nação portuguesa e a pessoa de Maria Santíssima, em particular pelo reconhecimento explícito da sua imaculada conceição desde os tempos da restauração. Damos hoje especiais graças a Deus também por este importante dado da nossa cultura e da nossa identidade como povo e nação com mais de 8 séculos de história e quase 4 séculos a manifestar com clareza este importante privilégio de Maria Santíssima.

2. A Palavra de Deus que acabámos de escutar ajuda-nos a descobrir a realidade e as implicações deste grande mistério da vida de Nossa Senhora.

Assim, à primeira Eva, que nos apresenta o livro do Génesis, contrapõe-se a segunda Eva do Evangelho.

A primeira Eva é a mãe de todo o ser vivo; mas as suas opções vão deixar marcas negativas na história futura de toda a Humanidade. A segunda Eva é mãe da Humanidade Nova, na medida em que dela nasceu Jesus Cristo, a cabeça dessa mesma Humanidade Nova.

Então vejamos agora o que distingue a humanidade velha da humanidade nova, sendo a primeira representada por Eva e a segunda por Maria.

A Humanidade velha tem medo de Deus, como aconteceu com a primeira Eva. Por isso esconde-se dele, quando não pode apagá-lo do seu próprio horizonte. Apagá-lo é o que têm prendido as diferentes modalidades do ateísmo contemporâneo. Como não têm conseguido, promovem o seu esquecimento, procurando fazer passar a mensagem de que toda a vida humana se esgota na matéria, no consumo material e na fugacidade do instante presente que passa.

Mas esta humanidade velha pretende ir mais longe. Tal como aconteceu com a primeira Eva, ela quer ser como Deus Deus, constituindo-se, assim, como única medida do bem e do mal. De facto, o individualismo e o orgulho pessoal estão a marcar fortemente as mentalidades dominantes na actualidade. Estas parecem querer  recusar tudo o que sejam normas objectivas ou tudo o que se possa considerar lei natural. Para muitos a ética confunde-se com os impulsos da consciência individual, quando não mesmo com as elementares inclinações da sensibilidade sem mais.

Vejamos agora o que está a acontecer a estas mentalidades dominantes herdeiras do que caracterizámos como humanidade velha. Nelas não há lei da natureza; mas tudo se reduz à cultura;  não há moral objectiva, tudo é puro relativismo; não há Deus, ou pelo menos nega-se a sua importância determinante na vida real das pessoas. Cada pessoa fica, assim, entregue a si mesma e, em última análise entregue à lei do mais forte.

 Por isso, como cidadãos responsáveis, como cristãos e como Igreja que somos, tudo desejamos fazer para que outros caminhos diferentes destes, que a mentalidade dominante teima em nos impor, sejam de facto os nossos caminhos e da sociedade inclusiva pela qual todos trabalhamos.

3. Esses caminhos são aqueles que nos aponta a Nova Eva do Evangelho que hoje escutámos.

Essa nova Eva, que identificamos com a figura de Maria Santíssima, Senhora da Imaculada Conceição, nunca se escondeu de Deus nem nunca quis que ele se apagasse no seu horizonte. Antes pelo contrário, soube escutá-lo na pessoa do Seu Mensageiro, o Anjo Gabriel. E a palavra que Deus lhe dirige, apesar de ser exigente, passa a ser a norma da sua vida. Não foi fácil para esta jovem de Nazaré, igual a tantas outras jovens da sua terra e do se tempo,  obedecer às orientações da Palavra de Deus. E também teve certamente a tentação de dizer não à difícil proposta que o Arcanjo lhe fazia, em nome de Deus. Era uma proposta que exigia avançar para o desconhecido, mesmo para o escuro, fazer coisas para as quais ela não se julgava com capacidade e com as forças necessárias. O casamento não estava nas suas intenções, ser mãe do salvador era missão que parecia não se ajustar à condição humilde de uma rapariga de aldeia como ela.

Todavia, assumiu com coragem a atitude de não querer tomar-se a si própria como medida da sua própria decisão, mas de se colocar inteiramente nas mãos de Deus. De facto, Ele é que é a medida e a verdadeira grandeza está em  aceitar essa medida e dar-lhe cumprimento na nossa vida e na vida do mundo.

É também esse o significado da resposta que Maria deu ao mensageiro de Deus, o Arcanjo Gabriel– Eis a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra.

4. Diante da padroeira, queremos renovar hoje a decisão de trabalhar para que também na nossa vida e quanto possível nas mentalidade contemporâneas a Humanidade Nova possa substituir de verdade a humanidade velha.

Com Maria queremos ajudar a construir uma sociedade onde não haja desprezo pelas regras elementares da lei natural, onde a moral e a ética não fiquem sujeitas aos caprichos da pessoas individuais ou dos grupos de pressão, que se instalam em centros dos quais depende a vida da sociedade. Pelo contrario trabalharemos para que se reconheçam e respeitem os valores essenciais que hão-de determinar a recta formação das consciências, o comportamento das pessoas e as leis que os regulam.

Todavia, a Humanidade Nova que teve o seu início neste sim de Maria ao arcanjo S. gabriel é mais do que isso. Ela é o amor e a bondade de Deus que se quer tornar vida das nossas vidas, quer determinar a qualidade das nossas relações e sobretudo nos convida a estarmos muito atentos uns aos outros. E a missão da Igreja é interpretar bem este programa.

Ora, Maria, a Nova Eva, é também a mãe da Igreja, título consagrado a partir do Concílio Vaticano II.

Enquanto mãe da Igreja Maria é modelo para todos nós, da relação com Deus, da relação com a pessoa de Cristo e do cumprimento do seu testamento.

Queremos por isso, nesta hora de festa, a festa da Padroeira, pedir a Maria que nos ajude a sermos cada vez mais a Igreja que cumpre o testamento do seu fundador.

E nós sabemos como, desde há 50 anos  a esta parte, o Concílio Vaticano II nos recorda que a principal marca da identidade da Igreja é cumprir o testamento de Cristo. Esta é hora de todos nos interrogar­mos sobre a maneira como estamos ou não a cumprir este testamento.

É o que pretende o nosso programa pastoral diocesano para este ano.

Queremos tomar consciência da Igreja que somos no conjunto das nossas comunidades; mas queremos sobretudo descobrir os caminhos da Igreja que nós devemos ser, à luz das orientações do Concílio Vaticano II contidas sobretudo nas duas constituições sobre a mesma Igreja, uma que olha para o seu interior e outra que contempla as suas relações com o mundo.

5. Daniel Cordeiro, neste dia tão importante para ti, mas também para a nossa diocese e para a Igreja, é importante que sintas de verdade a urgência do apelo que Cristo nos faz para cumprirmos, de verdade, o seu testamento. A tua vida de diácono será uma vida de serviço à Igreja e por ela à própria sociedade na medida em que te esforçares por dar cumprimento a este testamento. E lembra-te que a diaconia que a partir de hoje recebes por mandato de Cristo consubstanciado no primeiro grau do sacramento da Ordem, hás-de vivê-la  sempre segundo a vontade de Cristo expressa no seu evangelho interpretado pela Igreja. A atitude permanente da escuta é aquela que mais hás-de saber cultivar no exercício do novo ministério que te é confiado a partir de hoje. Por isso, lembro-te o que nos diz a carta aos romanos que acabámos de escutar: “O Deus da paciência e da consolação vos conceda que alimenteis os mesmos sentimentos uns para com os outros, segundo Cristo Jesus”… e depois continua: “Acolhei-vos uns aos outros como Cristo vos acolheu para glória de Deus”.

Portanto que a diaconia seja na tua pessoa, a partir de hoje,  um verdadeiro serviço para ajudar a construir uma Igreja onde as relações comunitárias de acolhimento uns aos outros sejam a sua regra de ouro.

E termino com uma recomendação que nos faz a nosso Papa Francisco, na sua sua exortação apostólica, sobre o modelo de Igreja que devemos ser. Diz ele; “A igreja deve ser o lugar da misericórdia gratuita onde todos se possam sentir acolhidos, amados, perdoados e animados a viverem segundo a vida do Evangelho” (n 114).

Queremos fazer esta experiência no interior das nossas comunidades, para depois a podermos levar como missionários a toda a nossa sociedade, na qual, de facto, persiste o grande deficit da vida comunitária.

+Manuel R. Felício, B. da Guarda