III – Domingo Comum

“Cumpriu-se hoje mesmo … “

 

            Como em tantos outros, também naquele sábado Jesus foi à sinagoga. Mas aquele tornar-se-ia num sábado especial. O que aconteceu na Sinagoga de Nazaré constitui um marco importantíssimo na vida e missão de Jesus.

            Exercendo um direito que assistia os judeus adultos versados nas Escrituras, Jesus, naquele dia, lê e explica o texto de Isaías 61,1-2. Isaías refere-se a um profeta consagrado pelo Espírito de Deus e que tem como missão anunciar uma Boa Nova aos pobres, aqueles que se encontram privados dos bens necessários e devidos a uma vida com dignidade; aos cativos, os que estão retidos ou presos injustamente, vítimas da prepotência dos poderosos; aos cegos, aqueles que desconhecem ou não vêem claro o sentido da vida, o caminho que devem percorrer, a meta da existência humana e que, por isso mesmo, são mais facilmente abusados pelos detentores do poder político, económico e religioso; aos oprimidos, os que são explorados, sujeitos a trabalhos forçados e não devidamente remunerados, obrigados a cumprir leis e tradições que não respeitam os seus direitos, pessoas que não têm liberdade para gerir a sua própria vida.

            Esse profeta proclamará também “o ano da graça do Senhor”, o jubileu, que se celebrava cada cinquenta anos. Nesse ano, as dívidas eram perdoadas, as pessoas recebiam de volta os campos que, entretanto, tinham sido forçadas a vender ou a ceder aos seus credores, e os escravos recuperavam a liberdade. Deste modo, no ano da graça e por vontade expressa de Deus, todos podiam recomeçar uma vida nova.

            O profeta terá a ousadia de questionar a ordem social estabelecida, porque tremendamente injusta e exclusiva, e propugnará por um mundo que permita a todos, e não apenas a alguns, viver em liberdade e com dignidade.

            “Cumpriu-se hoje mesmo … “ Concluída a leitura, Jesus surpreende e deixa perplexos os seus ouvintes ao afirmar que, n’Ele e naquele “hoje”, se realiza a passagem da Escritura que acabaram de ouvir. Ele é o ungido sobre quem repousa o Espírito do Senhor. Na verdade, no dia do seu baptismo, o Espírito Santo desceu sobre Jesus (Lc 3,22), consagrando-O para a missão. Depois, a Boa Nova, a que se refere o texto, é o Reino de Deus que Jesus anuncia e torna realidade no mundo dos homens. Finalmente, é Ele que dá início ao verdadeiro ano da graça do Senhor. Com efeito, redimindo o homem, Jesus paga as dívidas que este, por causa do pecado, tinha contraído com Deus; vencendo o pecado, Jesus erradica a causa de toda a espécie de opressão e escravidão; perdoando os pecados, Jesus faz chegar ao coração de cada homem o amor misericordioso de Deus.

            O Reino de Deus é uma Boa Nova para os pobres, cativos e oprimidos, porque reclama justiça e que sejam respeitados os direitos de todos os homens. Jesus dá vista aos cegos, pois Ele revela ao homem a sua dignidade e o fim último da sua vida, ajuda-o a descobrir o seu lugar no mundo e a justa relação com Deus e com os outros. Com Jesus, a partir daquele “hoje”, começa um tempo novo e um mundo novo.

            “Cumpriu-se hoje mesmo … “ “O hoje” de Jesus, o ano da graça do Senhor prolonga-se até ao termo da história humana. Em cada dia, pela mediação da Igreja, acontece no mundo “o hoje” da salvação de Deus. Sim, através da Igreja, Jesus quer continuar a anunciar, com frescura e actualidade, o seu Evangelho; quer, com veemência e sem cedências, tomar a defesa dos mais desfavorecidos da sociedade; quer derramar, com generosidade e alegria, os dons de Deus, a sua compaixão e misericórdia, a luz da sua verdade e do seu amor. Jesus quer continuar a ser a Boa Nova, fonte de esperança para todos os que vivem alienados da vida ou constrangidos a viver à margem da sociedade.

            Neste tempo de crise, são muitas as vozes e as iniciativas na Igreja, em favor daqueles que se encontram mais afectados por ela. Jesus faria, seguramente, o mesmo ou ainda mais e melhor. No entanto, é fundamental, para que o Reino cresça e “o hoje” de Jesus aconteça na vida dessas pessoas, ter em conta que, para além da satisfação das necessidades materiais, o homem precisa também de Deus e da sua Palavra. O que dizemos e fazemos só será Boa Nova, se nas nossas palavras e nas nossas obras transparecer o mais da nossa fé e do nosso amor, ou seja, o mais de Deus.

Pe. José Manuel Martins de Almeida