IN MEMORIAM DE UM BISPO DE BARBAS BRANCAS E LONGAS
No ano em que o Papa Francisco decretou uma reflexão de todas as Comunidades Cristãs para a Vida Consagrada, é importante falar de todos aqueles que fizeram da sua vida uma prática de missão e evangelização.
Uma dessas pessoas é D. José dos Santos Garcia, que nasceu em Abril de 1913, em terras da Beira Baixa, na Aldeia do Souto (Covilhã).

A 25 de Junho de 1938, com vinte e cinco anos, foi ordenado presbítero em Cernache do Bonjardim, depois de ter frequentado os Seminários da Sociedade Portuguesa das Missões Católicas. Em Cernache do Bonjardim foi vice-reitor e professor.
Em 1945 iniciou uma peregrinação missionária por terras africanas – Moçambique – , que terminou com a sua resignação em 1975, devido à independência desse jovem país. Foi missionário na Diocese de Nampula, território religioso de grande área, trabalhou no Seminário Diocesano, na Escola de Professores e na Missão de Unango, junto ao Niassa.
Em 1947 tomou conta da Missão de Mutuali, que dispunha de estruturas avançadas, uma ampla igreja, um hospital com maternidade, dois internatos para jovens, diversas oficinas e uma grande exploração agrícola. É neste setor que o missionário José Garcia se destaca, apostando em novas culturas, principalmente as das suas origens da Beira Baixa. Moderniza a agricultura, lança novas sementeiras, faz a produção ”industrial “ da cebola, um alimento que já os romanos consideravam ter qualidades medicinais. Além de géneros alimentícios para a grande missão, vendia para outras localidades, receita que lhe permitiu a aquisição de sementes, a continuação da modernização das estruturas agrícolas e novas ferramentas para trabalhar a terra com maior produtividade. Mais tarde, deram-lhe o cognome do “Bispo das Cebolas.” Nesta Missão foi nomeado superior regional da Sociedade Missionária.
Em 1957 foi nomeado Bispo da Diocese de Porto Amélia, hoje Pemba, onde desempenhou um ação notável, criando infraestruturas básicas para o bom funcionamento de uma Diocese. Mandou construir um Seminário Menor e Maior, um Colégio Diocesano, uma Escola de Professores, várias igrejas e uma residência episcopal. Durante dezoito anos, além da fundação destas estruturas, teve cuidado na formação de missionários e religiosas. É de salientar a fundação de uma Congregação Feminina – Filhas do Imaculado Coração de Maria.
A Independência de Moçambique arrastou diversos problemas para a Igreja, para os Missionários: ocupação de espaços das missões, posse de terras e edifícios, limitação dos movimentos de evangelização, necessidade de salvo-condutos para as deslocações internas, assistências às comunidades nativas cristãs e inclusive aos próprios militares que também professavam a fé de Jesus Cristo.
Com todas estas limitações à liberdade, e, atropelos à sua ação e missão viu-se obrigado, como já referi, a pedir a resignação em 1975, regressando às suas raízes natais, a Aldeia do Souto (Covilhã). Aqui instalado, numa vivenda em frente às instalações da Junta de Freguesia, no coração desta aldeia serrana, disponibilizou-se para ajudar a Diocese da Guarda nos seus ministérios. Desempenhou a missão de Pároco na sua terra natal, onde recuperou a Igreja Matriz e as capelas, que necessitavam de obras, e foi professor no Seminário Maior da Guarda e administrador de sacramentos, principalmente o da Confirmação.
Emília Garcia Alves – Cooperadora do Instituto Secular da Família da Obra de Santa Zita- acompanhou durante trinta e dois anos D. José Garcia na sua residência em Aldeia do Souto: “ era para mim um amigo, um pai, um conselheiro e em todo o lado fazia amigos. Era amigo pessoal de Paulo VI e de João Paulo II, que visitava com frequência.”
Apesar dos esforços e diligências de João Luís Gomes, Presidente da Junta de Freguesia, para se criar na sua residência um espaço cultural com o seu vasto espólio, ainda não se conseguiu esse objetivo. A convicção de D. José Garcia estava sobretudo nesta frase que repetia: “tudo o que veio da Igreja, para a Igreja vai.” Não quis ser profeta na sua terra natal, e não quis ali perpetuar a sua memória. Não tem uma referência em Aldeia do Souto. Até para local de sepultura escolheu Cucujães, findo quase um século de vida.

António Alves Fernandes
Aldeia de Joanes
Dezembro/2015