“E elas seguem-me”

            O breve texto do evangelho deste domingo insere-se no contexto de uma polémica dos judeus com Jesus. Os judeus, sobretudo os que detêm poder e influência entre o povo, questionam que Jesus seja quem diz ser e que muitos dos seus seguidores acreditam que é. Antes de mais, eles sentem-se visados na crítica que Jesus dirige aos pastores (chefes) que se comportam como ladrões, salteadores e mercenários (Jo 10,8.12-13). Depois, consideram que Jesus ultrapassa todos os limites ao falar de Deus como seu Pai e de que existe entre Eles uma comunhão e sintonia perfeitas (Jo 10,17-18). Chegam a pensar que Jesus “tem um demónio e está louco”, e que, por isso mesmo, não Lhe devem dar ouvidos (Jo 10,20).

            Eles querem convencer-se, porque isso lhes convém, que não é verdade o que Jesus diz de si mesmo. Porém, alguns não podem deixar de concluir que só pode ser verdade, pois um demónio não pode dar vista aos cegos (Jo 10,21). Jesus só pode ter razão. Mas interiormente, ao nível do coração, não conseguem aceitar que seja assim. Por isso mesmo, voltam a tentar Jesus: pedem-Lhe que diga e mostre de um modo inequívoco que é realmente o Messias (Jo 10,24). Trata-se de uma mera provocação. Independentemente do que Jesus disser e fizer, eles não estão dispostos a acreditar n’Ele. De resto, Jesus já tinha realizado muitas obras em nome do Pai, entre as quais a cura do cego (Jo 9,1-41). No entanto, eles comportaram-se como cegos, não vendo nessas obras os sinais de Deus.

            Jesus denuncia a verdadeira razão da incredulidade dos seus interlocutores: “vós não credes, porque não sois das minhas ovelhas” (Jo 10,26). Antes, Jesus tinha-se apresentado como o bom pastor, aquele que “dá a sua vida pelas ovelhas” (Jo 10,11). Além disso, tinha manifestado o desejo de que haja um só rebanho e um só pastor (Jo 10,16). Jesus quer, essa é a vontade do Pai, que todos os homens façam parte do único rebanho, ou seja, do novo povo de Deus. Porém, aqueles judeus recusam pertencer ao grupo de Jesus, ao seu rebanho: não escutam a sua voz, não compreendem a sua mensagem, não aderem à proposta do Reino, não aceitam segui-l’O. Eles querem continuar a ser “pastores” que roubam e matam, que exploram e oprimem, que se servem das ovelhas em vez de as servir.

            Jesus é o pastor quer conhece as suas ovelhas. O conhecer de Jesus é inseparável do amor que sente por elas. Jesus conhece-as por dentro, no seu íntimo, o que lhes vai na alma: os seus problemas e preocupações, os seus anseios e angústias, as suas dores e misérias, a sua fraqueza e pecados. Jesus vai ao encontro e aproxima-se de todas, iluminando e animando as suas vidas com a palavra e o amor de Deus. Jesus diz ainda: “Dou-lhes a vida eterna”. Jesus dá a sua vida, partilhando com todas a vida eterna de Deus. Dá-se todo e tudo faz para que as suas ovelhas tenham a vida de Deus e a tenham em plenitude. Por tudo isso, sente-se de tal modo vinculado com elas que pode garantir: “ninguém as arrebatará da minha mão”. Com um Pastor assim, é natural que muitos se sintam atraídos por Ele, escutem com agrado as suas palavras, se maravilhem com os seus ensinamentos e se decidam a deixar tudo por Ele.

            “E elas seguem-me”. Hoje, Jesus quer que as pessoas escutem a sua voz e O sigam através dos pastores que continuam a sua missão no mundo. A este propósito, são inspiradoras as palavras que o Papa Francisco dirigiu aos sacerdotes na Missa de Quinta-feira santa. Os sacerdotes, imitando Cristo, devem sair de si mesmos e ir ao encontro das pessoas, lá onde se desenrola a sua vida, de modo a “cheirar” e a conhecer as suas necessidades e sofrimentos, as suas inquietações e dramas humanos, e também as suas alegrias e esperanças. Por sua vez, as pessoas devem poder “cheirar”, ver e encontrar Cristo no sacerdote: na prioridade que dá aos que se sentem constrangidos a viver fora do caminho da vida e à margem da sociedade, na mansidão e compaixão com que acolhe e trata as pessoas, na simplicidade e humildade com que exerce o seu ministério, no entusiasmo e convicção com que fala de Deus. Por outras palavras: as pessoas devem poder “cheirar” e sentir nos pastores a novidade do Evangelho, o dinamismo do Reino, o poder da misericórdia, a alegria da ressurreição, a esperança da vida eterna. Então, seguirão Cristo e, por certo, alguns sentir-se-ão chamados a ser também pastores segundo o coração de Deus.

Pe. José Manuel Martins de Almeida