No dia 24 de Agosto decorreu em Alpedrinha o nono encontro de pastores, oriundos das regiões da Beira Baixa e da Beira Alta, como um pré-anúncio para a Festa dos Chocalhos, que vai ter lugar no segundo fim-de-semana do próximo mês de Setembro.

O evento teve lugar no Largo do Espírito Santo, preparado para o efeito, onde nos foi proporcionado observar uma exposição ao ar livre da responsabilidade de Albino José Poças, um estudioso da temática da pastorícia.

Este nosso guia queixa-se de que por falta de espaço não foi possível alargar esta pedagógica exposição, cujos temas principais se baseiam na transumância, pastoreio, a sua geografia em geral e as actividades ligadas à pastorícia.

Na primeira vitrina encontramos fotografias das décadas de trinta e quarenta do século passado até aos nossos dias, de paisagens de rebanhos na Serra de Montemuro, a norte do Distrito de Viseu, Entre-os-Rios, Paiva e Douro.

Chama-me a atenção para uma delas, onde no meio de um rebanho de ovelhas se encontra um bispo, D. João Crisóstomo, responsável pela Diocese de Viseu, um apaixonado pela transumância. “O Livro de Montemuro – A Mais Conhecida Serra de Portugal”, de Amorim Girão, faz inúmeras referências ao amor que este bispo nutria pelas ovelhas. Também, segundo o meu interlocutor, se preocupava com os ensinamentos das parábolas de Jesus Cristo.

A documentação exposta, de grande valor etnográfico e literário, foi recolhida nas comunidades locais, junto aos pastores. Grandes investigadores como Orlando Ribeiro, Amorim Girão, Rocha Peixoto, entre outros, são nomes incontornáveis nesta demanda. 

Num atelier orientado pela arquitecta Cecília Zacarias, a convite da organização deste evento, várias crianças desenham e constroem objectos relacionados com a pastorícia. O Hugo Diogo Paiva, de quatro anos, natural de Moimenta de Cabril (Castro Daire), diz logo: “já tenho cinco cabrinhas para juntar às trezentas e trinta do avô pastor”.

Ao acaso ouvimos alguns pastores que ali se deslocaram para partilhar as suas experiências:

Joaquim de Sousa Vendeiro de Fernão Joanes (Guarda): “a minha profissão já vem de família, dos ensinamentos que recebi do meu pai, pastor e tosquiador. Tínhamos outros animais, mas quem guardava as ovelhas era eu. Tenho setenta anos de pastor… uma vida de guardador de rebanhos.

Fiz a transumância da minha aldeia para as campinas de Idanha-a-Nova e para o Rosmaninhal. Iniciava-se pela Festa de Todos os Santos e regressávamos a vinte e cinco de Março de cada ano. Demorávamos a chegar lá quatro dias e era por etapas e pernoitas. A primeira ia até Vale Formoso, que antigamente se chamava Aldeia do Mato (Covilhã). A segunda ia até à Capinha, na Quinta do Vale da Ovelha (Fundão), actualmente completamente abandonada. A terceira até Pedrógão de São Pedro (Penamacor) e a última até ao nosso destino final, Idanha-a-Nova ou Rosmaninhal.”

José Nunes Ferreira de Fernão Joanes, oitenta anos, confirmando as etapas de transumância do seu anterior conterrâneo, afirma: “Muitas vezes fiz a transumância com outros pastores, principalmente de Manteigas, do Sabugueiro (Seia) e do Folgosinho (Gouveia). Com a morte da minha esposa, deixei de guardar as minhas ovelhas de raça bordalesa, que eram um mimo a dar leite e até os cornos valiam dinheiro. Não havia aramados e percorria muitos quilómetros com o rebanho. Muitas vezes os lobos atacavam-no, mas tinha uns cães valentes com coleiras de ferro ao pescoço, ainda as guardo para minha memória. Fico fascinado quando vejo um rebanho de ovelhas. Ser pastor é uma paixão que nunca mais nos abandona. As minhas ovelhas tinham todas um nome e eu estimava-as.”

António da Costa Lameiras de Vila Franca da Beira (Oliveira do Hospital), 78 anos, vestido a rigor com calças e colete de sarra beque: “Mal fiz a 4ª Classe fui guardar ovelhas. Até hoje, nunca mais as larguei. Com a idade deixei o testemunho ao meu filho com quem colaboro. Tem uma queijaria licenciada – a Queijaria dos Lameiras.

O mais feliz de um pastor é olhar para as suas ovelhas e vê-las de barriga cheia e o mais triste é não ter nada para lhes dar.”

António Fernandes Lopes, de Alpedrinha, com uma carreira profissional de cinquenta anos de pastor. Este pastor, conjuntamente com o seu falecido pai, é um ícone, figura emblemática e ímpar da Festa dos Chocalhos de Alpedrinha. Diz-me: ”Tenho cento e trinta cabras e já tenho autorização para aumentar o número, fico feliz quando estas têm afilhação e triste com os Invernos rigorosos e com os Verões dos incêndios. Acho que vou ser o último pastor a sul da Gardunha.”

Este Homem vai em Setembro frequentar a primeira Escola de Pastores, para aprender novas metodologias, porque o saber não ocupa lugar e nesta actividade da pastorícia é preciso saber mais do que de animais. 

Num dia de muito calor os grandes protagonistas deste encontro são os pastores e os cães de guarda dos rebanhos.

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Agosto/2019