JERÓNIMO – O BOB DYLAN PORTUGUÊS

No Verão de 1961 nasceu em Valverde no concelho do Fundão. O seu progenitor, com um Curso obtido em Lisboa, fundou uma alfaiataria, onde trabalharam doze empregadas, e ainda comunicou os seus conhecimentos como Mestre no Abrigo de S. José no Fundão.

Em 1978, em viagem de férias para a Nazaré, a família de Jerónimo sofreu um grave acidente automóvel, do qual resultou a morte da sua mãe no dia exato do aniversário do filho, razão pela qual nunca mais conseguiu celebrar a sua chegada ao mundo. Jerónimo também ficou uns dias em estado de coma, mas conseguiu recuperar.

Este episódio dramático mudou completamente a sua vida. Dado tratar-se de um brilhante aluno, a mãe tinha um projeto profissional para o filho, sonhando-o com um curso superior de advocacia, engenharia ou medicina: “a minha mãe nunca me deixaria enveredar pela música”.

Órfão de mãe, com o Ensino Secundário feito, seguiu para Lisboa a fim de frequentar um curso superior de Línguas. Foi na Capital que o vendaval da música entrou pela sua vida. Começou nas vivências estudantis, mas rapidamente se afastou para seguir o seu caminho enquanto autodidata. Num ápice, passou a tocar em bares lisboetas e arredores, em ruas nem sempre bem frequentadas e guetos. Paralelamente, a descoberta dos discos que iam saindo de Bob Dylan, prémio Nobel da Literatura, influenciava a sua música e a sua maneira de estar na vida. Tornara-se o “Homem da Guitarra”, fisicamente parecido com Bob Dylan, e na Damaia passou a ser conhecido como o “Bob”. Estava achada a sua vocação musical. Como era muito bem pago nos bares da Capital, aliviava também as finanças familiares. Tocava e cantava a música dos anos sessenta e setenta, sobretudo do seu ídolo Bob Dylan.

Ao fim de alguns anos, regressou às suas origens beirãs como Professor de Línguas na Escola Secundária Nuno Álvares de Castelo Branco. Depois deixou o ensino para trabalhar nas Confeções Lucas no Alcaide (Fundão), onde era responsável pelas relações públicas e comerciais com empresários estrangeiros.

Nunca abandonou a sua veia musical e viu na sua Beira Interior e na Cova da Beira uma fonte de inspiração para passar a escrever e compor as suas próprias canções. Como acontecera em Lisboa, passou a tocar ao vivo em bares, sobretudo numa área geográfica entre Castelo Branco e a Guarda.

Nos tempos livres, além das atuações musicais, era jogador de futebol, passando pela ADF (Associação Desportiva do Fundão), pela Atalaia, ainda defendendo as cores da equipa da “Tasca da Estação” em vários torneios.

Nessa época, surgiram as suas duas canções mais conhecidas – A TASCA DA ESTAÇÃO e a AUTO-ROUTE DE BURGOS -, duas geniais sátiras: a primeira à vida social e política do Fundão, a segunda à bazófia de alguns emigrantes. Estas duas canções saíram num single em vinil e logo se tornaram um enorme êxito, desde então interpretadas milhares de vezes por Jerónimo.

Não demorou muito até lançar o primeiro álbum em cassete, com o nome JERÓNIMO & CRO-MAGNON. Seguiu-se um segundo álbum em CD com o título “SÓ TU”.

Em 2006 conheceu Mário Fernandes, com quem viria a colaborar em vários filmes e nos videoclips da “Tasca da Estação” e da “Estrada 343”.

 Além de um pequeno papel de freguês no western “Oeste Perdido”, escreveu as canções e compôs as músicas que integraram a banda sonora do filme, um autêntico “álbum cinematográfico” que casa maravilhosamente com as situações, personagens no fim da linha e ritmos do filme. Passados alguns anos, teve uma aparição na obra cinematográfica o “Atirador” (assinado por Mário Fernandes, José Oliveira e Marta Ramos), um road-movie crepuscular de um casal fuga, onde interpreta numa casa estilhaçada, na Serra da Estrela, um dos seus temas mais bonitos – o “Sonhador Ambulante”.

Em 2013, depois de vários anos de estrada comum, estreou na Cinemateca Portuguesa “Jerónimo, como é que vais?”, um filme de Mário Fernandes com Jerónimo no papel principal, que é também uma longa viagem ao fim da noite ou “never ending tour” na Beira Baixa com os amigos de sempre: José Emílio, Carlos Carrola, Tom Hamilton, Rui Pelejão, Marta Ramos, Carlos Silva e tantos outros. As canções estruturam o filme e as vivências musicais de Dylan e Jerónimo, “mascarados e anónimos”, confundem-se até à loucura. Citando as músicas de um e de outro, vai da sujidade “too dark to see” de “Knock Knock on Heaven´s Door” até ao “Pesadelo em 3º Andamento”, tocado por Jerónimo sozinho à noite na sua quinta.

Recentemente lançou o CD “ESTRADA 343” com um livrete, onde se podem ler (à lupa, é certo) as inspiradas canções/poemas de Jerónimo e textos de Rui Pelejão e Mário Fernandes. O primeiro refere-se ao álbum como ”uma viagem ao coração do folk e do rock e às memórias e afetos de uma carreira de longa quilometragem. Uma viagem de janela aberta para as paisagens poéticas do Jerónimo e também para o País de contradições, injustiças e palhaços da corte obtusa, que retrata com sarcasmo e grande humor”; o segundo diz que “a Estrada 343 é Jerónimo de corpo inteiro, nos seus erros, contradições e excessos. É ferido, satírico e amiúde nostálgico e fantasmagórico”.

Além do Oeste, Jerónimo também foi protagonista da “Este”, uma companhia de Teatro do Fundão, que levou a efeito uma peça sobre a sua vida e obra.

Tem participado em várias semanas académicas na receção ao caloiro e atuado em várias cidades, vilas e aldeias por esse país fora, sobretudo acima do Tejo. Está também sempre de coração aberto para colaborar com instituições de solidariedade social e associações diversas.

No Núcleo Sportinguista do Fundão, local do nosso encontro e onde Jerónimo passa “dias difíceis” com um Sporting de “ai Jesus”, o nosso cantor revela-se um extraordinário contador de histórias. Alguém diz que “é um dos Homens mais livres por aqui”.

Podemos chamar-lhe Bob Dylan português como podemos chamar ao Nobel Jerónimo americano. O certo é que Jerónimo Manuel Clemente Mateus é um letrista e cantor de exceção, que merece mais atenção de todos. É um dos nomes fundamentais na história do Fundão dos últimos vinte anos e um músico que deveria ser mais conhecido a nível nacional. Agora, vou ouvir a “Tasca da Estação,” “Auto-Route” e a “Estrada 343”.

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Janeiro/2017