O Natal de Jesus, Salvador.

Estamos no Natal.

Natal é a celebração do nascimento de um Menino, Jesus Cristo, que veio para salvar. Por isso, sendo Deus, assumiu a nossa condição de homens e mulheres, com todas as consequências de alegrias e esperanças, êxitos e fracassos, de sofrimento e de morte.

Essa é a mensagem do Presépio de Belém, mensagem de simplicidade, de pobreza e mesmo de alguma rejeição, que impressiona e confunde, que interpela as gentes de todos os tempos, idades e condições.

Ora, este gesto de Deus que sendo rico voluntariamente se faz pobre, sendo Senhor se faz pequenino e frágil para se tornar próximo de todos, sem excluir ninguém, é a grande interpelação dirigida aos poderes deste mundo. De facto, a lição do Presépio aponta os caminhos pelos quais se constrói o autêntico bem-estar das pessoas e a saudável vida comunitária, que constitui direito de todos.

É realmente de vida comunitária que as pessoas precisam e promovê-la é a principal obrigação de todos os constituídos em autoridade. A autêntica vida comunitária procura realizar a proximidade de todos a todos e a cada um, pede reconhecimento das capacidades e também dificuldades de cada pessoa e que lhe sejam criadas as necessárias condições para que as capacidades se desenvolvam e se coloquem ao serviço do próprio e do bem comum e as dificuldades possam ser superadas.

Ora, nós acabámos de viver a experiência coletiva dos incêndios de outubro último e de junho passado, que foi um verdadeiro teste à nossa vida comunitária , sobretudo à capacidade de resposta de pessoas e instituições em situações emergentes como estas. Morreram pessoas em número e circunstâncias sem paralelo com situações anteriores. Muitas outras ficaram privadas de bens de primeira necessidade, como a habitação, mas também recursos dos quais depende a sua subsistência diária, como animais, agricultura e floresta. Perante este quadro de tristeza, sofrimento e algum desespero, alegra-nos a resposta pronta de pessoas e instituições que apareceram no terreno para acolher desalojados e prover às necessidades imediatas sobretudo de vestuário e alimentação a quantos perderam tudo.

Este é caminho para construir a vida comunitária que todos desejamos.

Mas também vimos algum distanciamento dos poderes instituídos tentando responder com medidas gerais a situações muito díspares, que, por isso, precisavam de respostas diferentes. Dou um exemplo. Visitei, no dia imediato ao desastre dos incêndios, uma povoação com duas pessoas sepultadas nos escombros das suas casas consumidas pelo fogo e uma outra povoação vizinha onde morreu um casal que deixou duas crianças – uma de 2 anos e outro de 7. Ora, tratar por igual uma pessoa que vivia sozinha em sua casa, por sinal bem relacionada com os vizinhos, cujos filhos estão emigrados no estrangeiro e o casal também vítima do mesmo incêndio, que deixou dois filhos menores, dando-lhes a mesma importância em dinheiro, sejam 70 sejam 70 vezes 7, como se a vida em alguma circunstância pudesse ser transacionável por valores materiais, é, no mínimo, um contra-senso. Por sua vez, ao lado, vivia uma outra família que perdeu dois tratores, o seu ganha pão.

Quem está mais habilitado para fazer a avaliação destas situações e dizer como podem ser devidamente resolvidas? A resposta só pode ser uma – pessoas e instituições que estão próximas e não o centralismo da administração pública, como aconteceu e está a acontecer.

Compreendemos, é certo, que se dê atenção prioritária às empresas afetadas pelos incêndios, das quais depende o emprego de muita gente. Mas, em contrapartida, custa-nos a compreender que serviços estatais como os que operam na agropecuária e na floresta, continuem quase indiferentes aos dramas de muitas famílias que perderam tudo e agora ninguém lhes diz como fazer para poderem aproveitar o que restou dos incêndios e sobretudo reordenarem os seus territórios e programarem um futuro diferente. São horas como estas, queira Deus não voltem a repetir-se, que põem à prova a capacidade e operacionalidade dos serviços aos quais compete marcar presença, mas, na hora da verdade, não estiveram lá. E a tutela respetiva parece também resignada à fatalidade acontecida sem nada, ou pouco, fazer para propor os novos caminhos que o dramatismo das situações de facto impõe.

O que se lhes pedia é que viessem para o terreno, colocar-se ao lado das pessoas, para as ajudar a salvar o que restou dos incêndios e a dar orientação sobre o futuro desejável para os nossos campos e as nossas florestas.

O Menino de Belém veio para salvar, abrindo caminhos de esperança nas relações entre as pessoas e destas com a natureza, para conseguirmos chegar à sociedade nova por todos ambicionada, mas ainda não conseguida.

A lição de Belém aí está e convida-nos para não desistir do esforço de procurar o que é mais importante, a saber: cuidar a boa relação de todos com todos para atingirmos patamares de vida comunitária verdadeiramente saudável.

Guarda, 5.12.2017

+Manuel Rocha Felício, Bispo da Guarda