Nota Pastoral sobre o Ano da Fé

Cultivar e viver a Fé num mundo seduzido pela secularidade

1. O que pretende o Ano da Fé

O Santo Padre Bento XVI convida-nos a viver o Ano da Fé desde este mês de Outubro até Novembro de 2013. É um convite sem trazer anexo qualquer programa especial, mas tão só para todos fazermos esforço no sentido de renovar e revitalizar a nossa fé em Jesus Cristo. Oportunidade deste convite é a celebração do cinquentenário do início do Concílio Vaticano II que, longe de ter perdido atualidade, quando lido e bem entendido, ou seja sendo nós guiados por uma justa hermenêutica, nas palavras do Papa, constitui, de facto, preciosa ajuda para a renovação da vida interna da Igreja, mas também para a fecundidade do seu diálogo e cooperação com o mundo (ver nº 5 da carta Porta Fidei). Por sua vez, querendo nós relembrar os conteúdos da nossa Fé e compreender mais profundamente o seu significado, sobretudo no resumo que dele nos faz o credo ou símbolo dos Apóstolos, uma boa ajuda no Catecismo da Igreja Católica, ele também fruto do dinamismo do Concílio e publicado pelo Papa João Paulo II em 1992, passados trinta anos após o início do mesmo Concílio.

O decisivo da Fé – encontro com Cristo vivo

Lembra-nos o Papa Bento XVI, na sua Carta Apostólica Porta Fidei, com a qual convoca este Ano de Fé, publicada há um ano atrás, que com a nossa Fé como que se abre à nossa frente uma porta e, a seguir, se nos mostra um horizonte maravilhoso, em que toda a realidade vista e experimentada ganha novo valor, novo sentido, nova beleza a partir da meta do Reino de Deus e da vida nova inaugurada pela Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo. Essa porta introduz-nos também numa longa caminhada – a caminhada da Fé, que nos vai ocupar ao longo de toda a nossa existência na terra, desde o Baptismo até à passagem através da morte para a vida eterna.

Nessa caminhada, mais ou menos longa, conforme os dias que nos for dado viver, há um objetivo prioritário, e, de alguma maneira, único, que pretendemos atingir: é o encontro com Cristo vivo e ressuscitado. Algumas vezes a própria história da transmissão e do ensino de Fé tem esquecido este ponto que lhe é essencial. Transmitem-se muitas histórias, muitos conhecimentos e muitas verdades sobre a Igreja, sobre o mundo, sobre a vida do próprio ser humano, incluindo a moral que o há-de regular, mas esquece-se, com alguma frequência, que tudo isso só tem valor na medida da sua relação com a Pessoa de Jesus Cristo Ressuscitado e presente na Sua Igreja para serviço das pessoas e da sociedade. Temos de procurar, ao longo do Ano da Fé, retomar e refrescar esta verdade fundamental do encontro com Cristo Ressuscitado e Vivo.

O próprio Catecismo da Igreja Católica procura, na sua organização e métodos, colocar a relação com Cristo vivo no centro dos conteúdos da Fé e,  a partir dela, apresentar a Fé celebrada, mas também a Fé professada, segundo o seu resumo no credo, a Fé rezada no Pai nosso e nas outras formas de oração e depois a Fé vivida, como expressão moral do dinamismo de Cristo Ressuscitado (ver Porta Fidei, n. 9). É esta experiência feliz do encontro com Cristo ressuscitado e vivo, que somos convidados a refazer e aprofundar, como cristãos baptizados e empenhados na vivência da Fé, ao longo deste ano.

Transmitir a Fé num mundo secularizado

Este Ano da Fé pede-nos também que, procuremos formas de transmitir a outros, porventura baptizados mas mais ou menos esquecidos deste bem fundamental, de novo, a inquietação do encontro com Deus revelado na pessoa do Seu Filho único Nosso Senhor Jesus Cristo, ressuscitado e vivo no meio de nós. De facto, nós sentimos que vivemos numa sociedade marcadamente voltada para a resolução dos problemas imediatos, onde às pessoas falta tempo e disponibilidade de energias para se fixarem nas dimensões mais importantes da vida; uma sociedade onde se prometeu o Céu na terra e só a partir dos seus recursos materiais. O certo é que este Céu prometido nunca veio nem nunca virá, porque dele se retira o que é essencial à realização do ser humano – a sua relação com Deus e nele a gratuidade das relações humanas. Quando tudo na vida se subordina à satisfação de necessidades materiais e imediatas, onde as relações humanas, a começar pelas relações familiares, são prejudicadas por modelos de vida baseados só na procura do bem estar material do individuo e na competição desenfreada que daqui resulta, necessariamente faltam o tempo e as energias para o que é mais importante na vida das  pessoas e consequentemente geram-se situações onde cresce a sua insatisfação  e a falta de esperança, até atingir  limites de angústia que não são de estranhar. Perante esta generalizada situação muito característica da cultura actual, que, todavia, não consegue desfazer a sede de Deus, entendemos a recomendação que nos faz o Santo Padre na sua carta apostólica, ao dizer: “A Igreja no seu conjunto, e os pastores nela, como Cristo, devem pôr-se a caminho para conduzirem os homens, fora do deserto, para lugares da vida, da amizade com o Filho de Deus, para Aquele que dá a Vida, a Vida em  plenitude”. É este saborear da vida em plenitude, da vida que não se esgota no consumo de bens materiais e tudo o que deles se espera, como são o poder e o prazer, que de facto está a fazer falta às pessoas. E esse é o grande dom inerente à Fé em Nosso Senhor Jesus Cristo.

A coragem da Fé numa cultura sem Deus.

Acontece que o mundo de hoje marcado por forte tendência para a secularidade, pretende esquecer esta fundamental dimensão da existência humana. Através de processos variados, os modelos de vida hoje na moda pretendem prescindir de Deus e do valor fundamental da Fé. E de tal maneira estão a impor-se às sociedades, sobretudo as de tipo europeu ocidental, como a nossa, que o Santo Padre sente necessidade de nos pôr de sobreaviso quanto a considerarmos a Fé como um pressuposto, passando a preocupar-nos só com as suas consequências. De facto, avisa-nos ele, “esse pressuposto não só deixou de existir como frequentemente acaba por ser negado” (ver Porta Fidei, nº 2). É também isto mesmo que a observação atenta de muitos dos nossos ambientes acaba por nos confirmar. Deus e a Fé, para crescente número de pessoas e várias compreensões do mundo, são realidades irrelevantes e, portanto, dispensáveis, chegando mesmo, algumas vezes, a serem consideradas um obstáculo para a completa autonomia da pessoa humana e para o desenvolvimento enquanto tal.

Esta atitude de recusa de Deus e da Fé que alguns tomam e em número crescente – em Portugal, segundo dados de inquérito sociológico recente, esse número atinge os 4,5% da população – não consegue, todavia, abafar a sede e a fome de Deus, que continuam a marcar a realidade do homem contemporâneo. E, por isso, havemos de estar preparados e, quanto possível, criar as condições necessárias para que também os homens e mulheres de hoje possam, como a Samaritana, abeirar-se do poço de Jacob e encontrarem em Cristo aquela água viva que eles, na realidade procuram e lhes pode matar a sede de uma vez para sempre. (Ver Porta Fidei, nº 3) O nosso contributo de cristãos baptizados e discípulos de Cristo para isso poder acontecer está principalmente em fortalecermos a nossa Fé pessoal e comunitária, alimentando-nos da Palavra de Deus e da Eucaristia. Viver com entusiasmo a relação com Deus, em Cristo, é a melhor maneira de abrirmos caminho para que outros descubram também a riqueza decisiva da Fé para as suas vidas. Queremos, também para isso, redescobrir, ao longo deste ano, a alegria de crer e reencontrar o entusiasmo de comunicar a nossa Fé.

Recomendações

O Santo Padre para este Ano da Fé pede-nos a todos  nós, membros da Igreja, a começar pelos Bispos e outros pastores, principalmente o seguinte: que intensifiquemos a reflexão sobre a nossa Fé, concretamente sobre cada um dos artigos do símbolo dos Apóstolos; que ajudemos todos os fiéis a tornarem mais consciente e a revigorarem a sua adesão ao Evangelho, em hora de tão profundas mudanças sociais como aquela que actualmente estamos a viver; que escolhamos momentos fortes para professarmos conjuntamente a nossa Fé, seja nas catedrais e nas igrejas, seja nas casas e nas famílias.

Ora, sabemos que a Fé Cristã não é fruto somente do exercício da inteligência e da faculdade da razão, como também não resulta espontaneamente do simples exercício da ciência e da técnica.

A Fé consiste essencialmente no dom que Deus faz de si mesmo às nossas pessoas, no quadro da vida em Igreja. Ao dar-se a Si mesmo, o próprio Deus também nos comunica, com garantias da sua própria autoridade, um conjunto de verdades que são importantes para a compreensão da nossa vida pessoal e da vida do mundo. Mesmo antes de acolherem este dom de Deus nas suas próprias vidas, há muitas pessoas que, dizendo-se embora sem Fé, vivem em busca sincera do sentido último e da verdade definitiva acerca da sua existência e do mundo. Podemos considerar esta procura um verdadeiro preâmbulo da Fé.

É nossa obrigação estarmos atentos a todos os sinais da Fé e da procura de Deus que possamos descobrir na vida das pessoas para as ajudarmos, quanto possível, a seguir o caminho que as poderá levar a saborear o autêntico encontro salvador com o Senhor das nossas vidas.

É de grande significado que o Santo Padre tenha escolhido a celebração do cinquentenário da abertura do Concílio Vaticano II para convocar o Ano da Fé. Com isso ele quer dizer-nos que o Concilio não só não perdeu atualidade, mas sobretudo que nós precisamos de repensar as formas de viver a Fé, tanto a nível pessoal como das nossas comunidades, para as pôr de acordo com o mesmo Concílio.

E nós desejamos acolher este apelo do Santo Padre, na vida da nossa Diocese, e fazemo-lo, antes de mais, continuando o empenho de promover nos fiéis e nas comunidades o verdadeiro encontro com a Palavra de Deus para fortalecermos e purificarmos a nossa Fé.

Desejamos também iniciar, neste ano, um esforço especial para a receção  do Concílio Vaticano II na nossa vida pessoal e na vida das nossas comunidades. Este esforço queremos prolongá-lo para além do Ano da Fé, promovendo o máximo envolvimento das comunidades cristãs, a começar pelos seus párocos e demais cooperadores pastorais, no processo de melhorar a nossa vivência da Fé e virmos a definir orientações próprias para as nossas comunidades nos próximos tempos, segundo as diretrizes do Concílio.

Que Nosso Senhor Jesus Cristo e Sua Mãe Maria Santíssima estejam connosco nesta caminhada de renovação da Fé. Com a sua ajuda, vamos procurar responder, da melhor maneira, ao apelo do Santo Padre para aprofundarmos e revigorarmos a nossa fé pessoal, para promovermos em outros o entusiasmo pela Pessoa de Jesus e o Seu Evangelho, para professarmos, com novo vigor, a nossa Fé e a testemunharmos no meio do mundo.

 

Guarda, 21 de Setembro de 2012

+ Manuel da Rocha Felício, Bispo da Guarda

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