Novembro, Dezembro e Janeiro são meses importantes na Cova da Beira, é o tempo da apanha da azeitona. Centenas e centenas de pequenos olivicultores, com as suas famílias e alguns assalariados (o dinheiro é pouco para se pagarem salários), arregaçam as mangas, vestem algumas peças de agasalho e impermeáveis, que as condições climatéricas são em muitos casos adversas. A chuva, o frio, o gelo, são os nossos grandes companheiros.
Em tempos não muito longínquos, um litro de azeite dava para pagar o salário de um dia, hoje não chegam cinco litros. Como em todos os produtos agropecuários produzidos pelos lavradores, os que trabalham a terra são os que menos recebem e muitas vezes ficam com os produtos por vender. As colheitas na maior parte das vezes não compensam, razão mais do que suficiente, em muitos casos, para a azeitona ficar na árvore à espera de cair ou de encher a barriga de um outro ou outro tordo, antes da sobremesa de chumbo servida pelo caçador beirão.
Os grandes subsídios vão para os grandes empresários agroindustriais e apenas umas migalhas miseráveis (10%) para os pequenos e médios agricultores, que são os heróis da Agricultura Familiar. Assim, enquanto aqueles podem investir – em meios técnicos, na disponibilidade de plantações, em terrenos e maquinaria -, os pequenos e médios trabalhadores rurais, que sujam as mãos na terra, limitam-se a colhê-la à mão ou com um simples bate palmas.
Recolher esse fruto precioso nos nossos olivais, depois de “ tanto sofrimento”, dá-nos o melhor azeite do País, o Azeite marca Fundão.
Por razões climatéricas, a colheita apresenta este ano uma quebra significativa. Segundo as estatísticas, prevê-se uma redução de quarenta por cento, com o consequente prejuízo para os olivicultores.
O trabalho da apanha da azeitona na nossa região é realizado de forma comunitária. Assenta no são convívio, na fraternidade e na solidariedade. Todos dão as mãos, numa ajuda mútua, numa equipa de trabalho cujo lema principal é o de “um por todos e todos por um”. Canta-se, conversa-se, contam-se histórias de vidas. Nas últimas fainas, a palavra mais citada tem sido, a banca, a “crise”, este ano escoltadas pelas palavras “corrupção” e “desconfiança”.
Sacudíamos a oliveira quando recebemos a notícia da morte do Eng.º Sousa Veloso, que durante trinta anos, todos os domingos, nos apresentava o programa TVRURAL. Recordo o homem que deu voz aos agricultores portugueses, percorrendo o País de lés-a-lés, e que terminava o programa sempre com um sorriso cativante e a frase “despeço-me com amizade”. Ficámos uns momentos em silêncio, porque todos nós o conhecíamos, o admirávamos e assistíamos às suas emissões televisivas de carácter rural e humano.
Junto às bíblicas oliveiras, ouvem-se muitas histórias humanas. Hoje trago até vós a do filho de Moisés, que também teve o seu êxodo.
Nasceu nas margens do Zêzere e depressa seguiu para a vida militar na Armada enquanto marinheiro no histórico navio de guerra Afonso Albuquerque. Desempenhou a sua missão nos territórios de Goa, Damão e Diu, além de outras escalas em míticos portos marítimos “por razões amorosas, pois um homem não é de pau”.
Regressou à sua terra natal, pouco antes da Invasão Indiana. Uma ex-namorada, por vingança, informou as autoridades de que o seu ex-namorado se dedicava a cantorias revolucionárias, aprendidas em “mares nunca antes navegados”, que poderiam pôr em causa a independência nacional. Chamado às autoridades, passou umas horas no Posto da P.S.P. da Covilhã, e mais tarde no Estabelecimento Prisional dessa cidade.
Com esta forma de tratamento, o nosso cidadão partiu para França, onde trabalhou quarenta anos. Vive com a reforma desse país acolhedor, que tem sido emagrecida em Portugal.
Com espírito jovem apesar dos oitenta e dois anos, e uma esposa que o acompanha há mais de cinquenta anos, ainda ajuda os seus familiares a colher a azeitona. As suas histórias humanas enriquecem o ambiente de trabalho no olival.
Seria bom convidar os nossos governantes para um dia na apanha da azeitona. Talvez percebessem que a economia e a agricultura só existem com pessoas e para as pessoas. Receio que o efeito do envelhecimento galopante e o êxodo rural, sempre na ordem do dia, faça com que este manancial humano tenha os dias contados. A geração destes heróis agricultores está a chegar à Terra Prometida, onde correrá leite, mel e muito bom azeite.

António Alves Fernandes
Aldeia de Joanes
Dezembro/2014