Na década de sessenta do século passado, o meu saudoso Pai ofereceu-me no Natal o romance “Maria Mim”. Estava longe de saber quem era o autor, mas achei tanta graça ao título que logo o devorei.
Passados cinquenta anos da sua morte, estou perfeitamente documentado sobre a vida e obra de Joaquim Augusto Alvares de Almeida, que escolheu o pseudónimo literário de Nuno de Montemor, em homenagem a S. Nuno Álvares Pereira e às terras graníticas dos Montes da Estrela.
Em 16 de Dezembro de 1881, nasceu junto à fronteira, em terras arraianas, na freguesia de Quadrazais (Sabugal).
Percorreu o ensino primário em Pega (Guarda) e os estudos superiores no Seminário da Guarda. Aos 23 anos foi ordenado sacerdote, sendo nomeado pároco na Bendada (Sabugal) e em Almeida.
Foi nomeado capelão militar, padre capelão, do Regimento de Infantaria da Guarda. A propósito desta longa experiência, com passagem pela 1ª Grande Guerra Mundial em França, salientou: “Não podia ter escolhido pior valverde para missionar, que aquele aquartelamento militar, selva de ambições e egoísmos, pululante de soldadesca, nessa ebulição de quartel, como todos os quarteis onde se podem encontrar uma caótica miscelânea de caserna, desde os espíritos bons e impolutos, com tipos boçais, broncos manhosos, bestiais nos desejos, feros de alma e corpo, mas sem deixarem de possuir igualmente uma alma, uma bondade, até um titubeante espírito de ajuda.”
Como escritor, data de 1909 o primeiro livro de poesia –“Oração de Soledade”- seguindo-se mais cinco obras.
Como romancista, publica em 1915 o romance “Lodo e Neve”, completando a sua vida literária com treze títulos. Entre eles, destaca-se o romance “Maria Mim”, que descreve uma bela jovem, contrabandista, com os seus amores e desamores por um alferes. Nesta obra literária, o grande protagonista é o Povo Quadrazenho, logo não deixa de ser um instrumento, além da qualidade literária, para investigações etnográficas ou antropológicas. Também serviria de guião para um grande filme ou peça de teatro.
Em 1911, escreveu o seu primeiro livro de Contos – “O Meu Retiro” – ao qual acrescentou mais quatro obras nesse género literário.
Também se estreou no Teatro com a publicação do livro “Luz de Fátima” e nos Estudos Romanceados ainda escreveu mais quatro obras.
Estas obras estão traduzidas em diversas línguas – francesa, castelhana, italiana e holandesa -, revelando a sua universalidade.
Nuno Montemor é contemporâneo de escritores como António Sardinha, Hipólito Raposo, João de Almeida, Augusto Gil e Afonso Lopes Vieira, que o classificou como “serrano piedoso de alma breve e meiga.” Um pouco mais novos, estão Fernando Pessoa, Aquilino Ribeiro, José Régio e Mário de Sá Carneiro.
Além das facetas de Pároco, Padre Capelão, Escritor, há a referir a sua ajuda, em Maio de 1928, na fundação do Lactário Dr. Proença, na cidade da Guarda, com a finalidade de acudir as mães necessitadas, fornecendo leite às crianças pobres e aos idosos doentes. Maria Máxima Vaz conta um episódio revelador do caráter humanista de Nuno de Montemor: “vamos ao Lactário! – “Ordena o sacerdote. A mulher ficou atrapalhada, hesitante, receosa de o acompanhar e manifestou-lhe com humildade e vergonha: “eu não posso ir com o senhor”. “Ora essa! Porquê?” “Sou prostituta e pode parecer mal, pode comprometer-se”. “Qual prostituta, qual carapuça! Você vai comigo. É mesmo por ser prostituta, que quero que venha comigo, para que quando aqui vier sozinha, saibam respeitá-la”. Quantos teriam esta atitude?
Aos 83 anos de idade, faleceu em Lisboa, sofrendo antes de uma doença grave – mura tisne – um transtorno psicológico resultante do enfraquecimento do sistema nervoso central, culminando na astenia física e mental. Sobre a precária saúde, escreveu Nuno de Montemor no seu livro “Pobrezinhos de Cristo“: “estava eu no quarto nº1 do Hospital de Coimbra, preso daqueles sofrimentos dantescos em que a dor só dá a escolher entre uma bala e a Imitação de Cristo…”
Este Homem “ meão, um tanto obeso, metido num fato azul-escuro, chapéu e cachecol negros”, segundo a descrição de Eduardo Lucena, tem uma obra literária mais sentimental que intelectual e fez dos seus livros um apostolado e uma pregação.
Nuno de Montemor tem de ser mais lido e assim mais recordado neste país de modas literárias sem memória. Os alunos do Sabugal e das terras arraianas devem ter muito orgulho neste grande escritor português e universal.

António Alves Fernandes
Aldeia de Joanes
Junho/2014

 

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