O Bafio é o melhor amigo do meu irmão. Doutorado em inteligência artificial, conseguiu ao longo da vida ser o exemplo que precisava para sair da mediocridade.

Graças a esta amizade, hoje o meu irmão é Mestre em Bioquímica, estando a trabalhar na Organização Mundial de Saude, no team dos Operacionais Especialistas que combatem a propagação de surtos de doenças patogénicas.

Bafio é um dos caras que mais gostei de conhecer. Colega do meu irmão no secundário  (colegial), partilhavam partidas às meninas e aos professores. Eram inseparaveis e ambos alunos muito próximos do mediocre, até que um dia o Bafio se virou para o meu irmão e disse:

– Vou fazer tudo para dispensar aos exames. Detesto ter que ir fazer essas provas, logo no verão.

E a partir daí começou a estudar como um louco, dia e noite, sem parar. 

Meu irmão procurava sempre a brincadeira e a diversão, mas subitamente sentiu a «perda» do amigo. As «partidas» às meninas sem o Bafio não era a mesma coisa.

E acabou por seguir o seu exemplo, começando a estudar só que não conseguia estar tanto tempo como o seu amigo.

Mesmo assim no final do peródo lectivo, antes dos exames, o Bafio dispensou à parte de letras (Português, História, Geografia, Francês e Inglês) e o meu irmão à parte de ciências (Matemática, Fisica, Química e Ciências Naturais). 

Nos exames, o Bafio começou a distanciar-se com classificações muito boas nas provas escritas tendo ficado dispensado a todas as provas orais. O pobre do meu irmão sofreu com o Português tendo chumbado na prova escrita e oral, pese embora tenha tido boas classificações nas restantes discíplinas. Ambos passaram de ano e seguiram a mesma área de estudo. A sorte de meu irmão é que se podia «passar cortado a uma disciplina».

Continuaram na mesma turma durante o vestibular só que o Bafio ia subindo as classificações assustadoramente até que entraram na mesma faculdade. Mais uma vez o meu irmão teve a felicidade de entrar sem o português, porque o Governo, excepcionalmente nesse ano possibilitou aos alunos de optarem por outra disciplina alternativa, tendo o meu irmão se safo com a Geografia. Porém o Bafio entrou com classificações muito boas.

Mas a vida continuou e hoje eles têm 60 anos, nunca se separando.

Vamos ver como foi o percurso de cada um.         

Entrando para a mesma faculdade, cada um seguiu o seu caminho. Meu irmão foi para Química e o Bafio para Electrotécnia e Telecomunicações.

O Bafio trepava as cadeiras, ou disciplinas, com médias boas e o meu irmão perdia-se na preguiça começando a distanciar-se do seu grande amigo. Mesmo assim de vez em quando lá se encontravam para curtir uma boa noite de copos e alegria, nos bairros típicos de Lisba. Ainda formaram uma lista para concorrer à Associação de Estudantes, mas que era uma gozação do sistema, tendo, felizmente perdido. Mas não por muito! Os textos da campanha hoje são considerados uma relíquia de humor e de sátira política.

Como se esperava o Bafio concluiu a licenciatura no prazo e o meu irmão, mesmo assim a concluiu no dia em que se casou, ou seja quatro anos depois.

Ele me dizia que tinha sido o exemplo do Bafio e o apoio da sua Carla, namorada de sempre, que conseguiu vencer a barreira do medo e preguiça de estudar.

Claro que com as classificações do Bafio, este seguiu a carreira de Professor Universitário enquanto meu irmão teve de arranjar uma «ajudinha» para fazer um estágio numas minas no Alentejo Português. Porém este emprego não era nada ruim. Trabalhou com americanos aprendendo muito sobre métodos e organização, tendo-o marcado para o resto da vida. 

Na fase de afirmação da vida houve um afastamento. Mas mesmo assim, no Natal e nos aniversários falavam-se sempre.

Foi nessa fase que meu irmão se chegou um pouco mais a mim. Sendo mais novo, o crescimento nos foi aproximando.

O Bafio acabou por fazer carreira na Universidade tendo tirado o mestrado e doutoramento, sendo hoje professor agregado, ou seja, está a um passo de ser catedrático.

Curiosamente o meu irmão vacilou. Sempre trabalhando mas começou a gostar da Bioquímica tendo tirado com sucesso o mestrado pouco tempo depois do Bafio se doutorar.

O doutoramento do Bafio trouxe-lhe muitos problemas em casa, principalmente para apoiar sua esposa na educação dos meninos. Mas ele fixado no estudo e nada o demovia de querer fazer melhor. Até que o casamento «rebentou» e por triste coincidência na epoca que meu irmão concluiu o mestrado.

Meu irmão começou a ser bafejado pela sorte do desenvolvimento das ciências da vida, com a descoberta de noas doenças, novos medicamentos, da influência do ambiente na saude e também trepou ficando director de um laboratório de patologia durante quinze anos.        

Meu irmão depois dos 50 anos quis fazer as pazes com a vida. Para além de uma enorme festa com família e amogos, pediu perdão dos pecados todos e inclusivamente se redimui e conseguiu escrever um livro.

O livro foi um sucesso tendo esgotado semanas depois e quem o apresentou numa sala com mais de 100 pessoas, foi o Bafio.

Foi o momento do compromisso, de que de facto, aquela amizade de juventude não tinha sido em vão.

Sendo irmão mais novo nunca vi nada assim. E tanto ciume tive de ver que o meu irmão ligava mais ao Bafio do que a mim.

De facto, passados todos estes anos esta mágoa de irmão passou. Não só porque ele sente-me com carinho e amizade mas acima de tudo o CV que ele tem muito o deve ao Bafio, porque sempre foi o seu exemplo de trabalho, luta e cumprimento de objectivos.

Fica bem, querido irmão, que Deus te acompanhe sempre

António Alçada