O LIVRO

“o Livro é a única Moral que ainda existe”

Manuel da Silva Ramos (“Jornal do Fundão”)

O Homem nasceu numa aldeia arraiana, abandonada por tudo e por todos. Para qualquer auxílio só podia contar com o Pároco ou a Professora Primária.

Eram anos de trevas, de miséria económica e social, ignorância profunda e isolamento.

Foi neste contexto que o Homem encontrou consolo no seu melhor amigo: o Livro. Lá estava sempre à espera, mesmo quando não havia pão na mesa, as cidades eram uma miragem e o futuro uma mera reprodução do passado. Com o Amigo Livro, falasse português ou castelhano, tudo se tornava diferente. De repente, havia Amor, Esperança, Inquietação, Sonho, Promessas de um mundo melhor, e tudo sem sair da velha casa granítica cujo tecto era sustentado por tábuas que lutavam contra a humidade. O Livro era lareira, brinquedo, confidente, conselheiro. Com ele o Homem desabafava contra o facto de ver as crianças e as mães partirem tão novas. O Livro prometia uma Justiça Futura.  

Hoje, à distância de quase um século, vê que a sua doida vontade de ler – livros, jornais, revistas -, vem desse tempo. Hoje sabe que as recordações da sua infância são caixões cheios de livros e jornais.

A primeira vez que se editou um livro em Portugal foi em 1487, na cidade de Faro, pela mão do tipógrafo de origem judaica Samuel Gacon, conhecedor dos caracteres inventados por Gutenberg. O título era “Pentateuco”, que junta os primeiros cinco livros da “Bíblia” (palavra de origem grega que significa “o conjunto dos livros”). Pela primeira vez, a “Palavra de Deus” tornava-se palpável.

Dez anos depois, com a mesma técnica de impressão, um tipógrafo lusitano – Rodrigues Álvarez – dava à luz “Constituições que fez o Senhor Dom Diogo de Sousa, Bispo do Porto.”

Desde então muitos Livros se têm publicado em Portugal, apesar de ser um país que gosta pouco de ler para lá dos jornais “A Bola” e o “Correio da Manhã”. É oportuno dizer que há mais Livros do que Leitores.

Os Livros que levaram D. Quixote a aventurar-se pelo mundo, perderam espaço de acção, aprisionados às estantes dos supermercados, a suplementos literários que instituem modas ou capelinhas, ou pura e simplesmente condenados ao sótão do esquecimento. O desinteresse pela leitura é hoje proporcional à falta de Moral, de Informação e de Imaginação na Sociedade Portuguesa. Por isso são tão importantes as batalhas travadas pelas Bibliotecas, pelos Clubes de Leitura, pelas Tertúlias despretensiosas onde se possa falar com paixão sem academismos.

É um estanho paradoxo que haja um acesso aos livros como nunca houve e tão pouca gente leia. Há mais de 500 anos que se publicam livros em Portugal, mas os nossos hábitos de leitura continuam a ser dos mais baixos da Europa.

Nada melhor do que começar o Novo Ano a ler mais e sobretudo melhor, sem medo de “sujar os dedos” em notícias que incomodam ou em livros que não são do nosso clube.  

Se somos o que comemos, também somos o que lemos.

António Alves Fernandes

Aldeia de Jones

Janeiro/2018