O SENHOR JOÃO

Nasceu no Fundão, no Bairro de Nossa Senhora da Conceição, onde há uma capela a que os fundanenses de outrora e alguns presentemente dedicam sincera devoção.
Por mera coincidência ou não, o seu nome é João Carvalho da Conceição.
Nos terrenos hoje ocupados pela creche Porta Aberta e Escola Primária, edifício construído pela Firma Lambelho e Ramos Lda., os seus pais tinham um quintal e uma residência onde estava inserida uma taberna, parte do seu ganha-pão. Todos sabemos o papel que aquelas casas de bebidas e comidas desempenhavam socialmente nas populações. Ali João Carvalho da Conceição aprendeu o curso prático de saber lidar com as pessoas, com o público de uma forma geral, princípios que o acompanharam até à sua morte.

Ainda jovem já praticava diversos desportos no Fundão: natação, voleibol e futebol. Há inúmeras fotografias a testemunhar estas suas actividades. Porém, é na área do futebol que mais se revela, pertencendo aos quadros da Associação Desportiva do Fundão, organização de torneios de futebol a nível municipal, em que se destacou numa equipa chamada Real. Um seu irmão, com outras oportunidades, destacou-se como futebolista no Sporting da Covilhã e mais tarde no Desportivo de Gouveia, da Guarda e de Pinhel.
Obtido o exame da 4ª Classe, na emblemática Escola do Parque do Fundão, única a nível nacional pelos seus azulejos, cedo se iniciou na vida profissional na Metalúrgica do Fundão, numa época em que as empresas, além de darem trabalho, substituíam o Estado e davam formação profissional. Assim tirou o curso prático da vida como mecânico, profissão que desempenhou naquela empresa, depois na extinta Moagem dos Ferreiras, na Rua Conde de Idanha no Fundão e, mais tarde, na Zona Industrial do Município, de onde se reformou.
Ainda jovem participou nas Marchas dos Santos Populares, que com pompa e circunstância se realizavam no Fundão.
Dadas as suas aptidões profissionais, frequentou a Escola Prática de Engenharia e mais tarde foi mobilizado para Angola, em Luanda, dando apoio mecânico às viaturas militares da Companhia de Engenharia.
Durante a comissão de serviço em Angola participou em vários torneios desportivos de futebol entre equipas militares de outras unidades.
Regressado à Metrópole, alistou-se nos Bombeiros Voluntários do Fundão que serviu durante quarenta e três anos. Era uma das suas grandes paixões, a outra era o futebol.
Com tantos anos a servir uma grande causa humanitária, sempre pronto, alguém me deu este testemunho: “só não ajudava quando não podia, estava sempre disponível a qualquer hora do dia ou da noite para o socorro de qualquer necessidade. Naqueles anos de serviço voluntário nos bombeiros não havia as condições que hoje felizmente existem. Todos passavam por muitas privações e com as vidas a correr imensos riscos em fogos incontroláveis. Não havia meios humanos, nem económicos nem materiais, de que hoje felizmente estão apetrechados. Tinha um grande amor à camisola.”
Faleceu nas vésperas da Festa do Corpo de Deus, uma data que o celebrante das exéquias soube aproveitar para se referir a este Bombeiro Voluntário, que soube fazer da vida uma Eucaristia permanente. Na verdade, este sacramento só tem sentido quando é partilhado de amor pelos outros. O pão e o vinho colocados na mesa do altar representam o HOMEM, no seu trabalho, na sua solidariedade.
Sublinho que a vida de um cristão e bombeiro é uma Eucaristia de vida. A bela divisa VIDA POR VIDA, quando posta em prática, é essencial para um mundo melhor, mais solidário e mais pacífico.
A Homenagem pública que a Associação dos Bombeiros Voluntários do Fundão lhe prestou no adeus para a eternidade foi bem simbólica, bem sentida, bem vivida. Era um BOMBEIRO sempre atento a quem mais precisava.
Tive o privilégio de o acompanhar em muitos jogos do seu Sporting Club de Portugal, no Núcleo Sportinguista do Fundão, e com ele aprendi a ver um jogo de futebol, em que muitas vezes não é só o árbitro o mau da fita, quando o nosso clube perde. Há outros intervenientes.
A nível clubístico teve a sua última alegria quando viu o seu Sporting conquistar e erguer a Taça de Portugal no Jamor em Lisboa.
Este texto é uma simples homenagem a um HOMEM que também me acompanhou e muito ajudou numa doença de internamento prolongado. Um HOMEM que apoiou muito os meus familiares e amigos. Com o seu altruísmo e o seu lema VIDA POR VIDA, suavizou várias vezes o meu sofrimento. Não se esqueceu das Obras de Misericórdia.
A minha profunda e eterna gratidão.

António Alves Fernandes
Aldeia de Joanes
Junho/2019

ITINERÁRIOS

ITINERÁRIOS