Olhares no XVII encontro da Pastoral Social

 

Sob o tema Testemunhar a Caridade no Ano da Fé, decorreu em Fátima o XVII Encontro de Pastoral Social, entre os dias 10 a 12 de Setembro, com diversas conferências, painéis e debates, onde centenas de pessoas ligadas a instituições de solidariedade social estiveram presentes.

A comunicação escrita e falada pautou-se por uma quase completa ausência e até a mais diretamente ligada à Igreja entrou naquele diapasão. Falar-se, refletir-se, as circunstâncias diversificadas que criam e fazem crescer a Caridade, não é politicamente e religiosamente correto, além de que estas notícias não vendem papel…

A minha primeira impressão é de que algo está a mudar em muitas mentalidades na preocupação, na aproximação das dificuldades de inúmeros portugueses, principalmente das franjas mais desprotegidas e mais abandonadas. Assim, verificava-se a presença de muitos bispos, responsáveis pelas suas dioceses. Sinais novos, lufadas de ar fresco que devem ter o epicêntrico na imagem, postura e na voz do Papa Francisco.

Na distribuição do guião de trabalhos pertenceu a abertura a D. Manuel Clemente, afirmando que a Pastoral Social é sempre uma valência da Igreja, no sentido de suavizar a dor dos outros. Vivem-se tempos complexos, viragens culturais e de identidade. Dedicar estas Jornadas da Pastoral Social no Ano da Fé, é a Caridade que Jesus viveu. Os princípios do Evangelho e da doutrina social da Igreja assentam na seriedade, na repartição, na justiça, na proximidade, na solidariedade e na caridade.

O Arcebispo de Braga, afirmou que a pastoral social não se deve confundir com uma atitude assistencialista, mas é imperioso que esta seja a expressão da Fé. Nem todos os cristãos estão convencidos desta máxima, porque o Cristianismo expressa-se na relação com os outros. Também se começam a convencer que a vida de estrutura no compromisso com os irmãos e com Deus. A sociedade moderna, fruto de multiculturas e diversidade de ideias, habituou-se a uma grande confusão. Misturou-se tudo e o medo impôs-se nos aspetos da vida. A nossa caridade tem de ser universal, com amor gratuito, que vai originando caminhos novos da nossa Fé. O Papa entusiasma-nos sem medo para servir. Não devemos ter medo de ser Igreja. A Fé deve impulsionar-nos para a Caridade.

Na conferência: A Fé e Obras: Anunciar o Evangelho Aqui e Agora, D. Manuel Linda, Bispo Auxiliar de Braga, referiu se dispensam palavras e testemunhas, mas faz o que dizes, e nós acreditamos em ti. Uma Fé proclamada, mas não manifestada e especificada em obras cai no ridículo e será vacilante.

No painel seguinte: Pelas Obras te mostrarei a Fé, o Pastor da Igreja Metodista de Aveiro, salientou o sentido da palavra compaixão pelas pessoas com a capacidade de nos deixarmos tocar pelos sentimentos dos outros. Compaixão como expressão de amor gratuito. O chamamento de Jesus Cristo vai no sentido de os cristãos serem mensageiros efetivos do amor e da justiça.

Na segunda parte interveio o autarca de Ílhavo, que como político deu a cara, teve a coragem de aceder ao convite para intervir neste Encontro da Pastoral Social. Da intervenção ativa, dinâmica, homem do terreno, experiente, por vezes divertida, não deixou ninguém desatento. Afirmou que a ação política é sempre o compromisso de servir bem os cidadãos. É trabalhar com rigor e exigência. Também sabe que muitas vezes dá-se mais relevância ao negativo do que ao positivo. A transparência não é um site, é sim uma atitude.

O terceiro orador, Henrique Joaquim da Comunidade Vida e Paz, salientou que esta instituição tem a missão do encontro e acolhimento na cidade de Lisboa, dando apoio às necessidades e potencialidades das pessoas sem-abrigo e em situação de precaridade extrema. Proporcionar-lhe caminhos de ajuda, recuperação, construção de projetos de vida, de prevenção, reabilitação e reinserção, numa ação integrada.

Deu a conhecer a orgânica da Comunidade, que dispõe de 600 voluntários, 120 colaboradores, que compõem 56 equipas de rua, que fazem 4 circuitos em 90 postos de encontro, com apoio a 525 pessoas sem-abrigo detetados.

Há noite a Irmã Isabel Martins da SNSF, CSP da Ericeira apresentou um projeto educativo em centros sociais paroquiais.

No segundo dia, pertenceu ao Padre Santiago Guijarro da Universidade Pontifícia de Roma, abrir os trabalhos com uma conferencia sobre: “ A Caridade na Missão Evangelizadora nas Primeiras Comunidades Cristãs, salientado – o relato normativo da primeira evangelização – em que a ação caritativa pode ter tido um papel importante na difusão do cristianismo.

Desenvolveu temas como “ a pobreza e a ajuda social no mundo antigo”, “ o exercício da caridade nas primeiras comunidades “ e “ a prática da caridade e a missão evangelizadora “, sublinhando que as ações caritativas iam para a atenção às necessidades básicas, o cuidado dos enfermos, a hospitalidade ou acolhimento dos estrangeiros e assistência aos presos. Em termos de conclusão, as primeiras comunidades cristãs num mundo com carência de sensibilidade e de estruturas para o cuidado dos pobres, elas assumiam essa ação caritativa.

No painel o tema: Onde está o teu irmão? Levantaram-se alguns problemas da população reclusa. Também foi levantada a questão das vítimas.

Alguém no debate levantou o problema daqueles reclusos que se encontram em prisão domiciliária, com pulseira eletrónica, e de alguns a necessitarem diversos apoios. Chamou a atenção de um irmão do presbitério se encontrar nessa situação, lançando o repto de a fim de o visitar.

Á margem dos trabalhos falou-se do fato do EPL – Penitenciária de Lisboa e do Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz, terem sido vendidos há anos por milhões, foram gastos e em contrapartida não se fez qualquer Estabelecimento Prisional na Azambuja e Grândola, pagando-se agora por aqueles espaços prisionais já vendidos, fortunas de rendas que saem dos nossos impostos e nada acontece, não há responsáveis.

Também encontrei um irmão chagas, um pedinte junto à Basílica da Santíssima Trindade, que me esclarece que passa mal, mas “ os gorilas “ não querem que ali ande a pedir, e uma pobre, junto à Capelinha das Aparições, dos países do Leste, que diz ter fome… Muitas centenas passaram ao lado e alguns até se afastavam.

 Na Capelinha das Aparições decorria uma Eucaristia de despedida de militares portugueses a caminho do Kosovo em “ missão de paz e justiça, mensageiros da cultura ocidental”.

Há noite todos tiveram a oportunidade de assistir à projeção do filme: Vaticano II – Imagens e Testemunhos de Veronik Beaulieu – Mathivet, onde regressamos cinquenta anos atrás, quando se iniciaram os trabalhos conciliares.

No terceiro e último dia, o painel: Novos Céus e Nova Terra, salienta-se:

– Uma perspetiva de política – António Borges Félix. – Uma perspetiva de economia – Américo Mendes. – Uma perspetiva de sociologia – Manuel Carvalho da Silva.

Estes temas despertaram grande interesse entre a assistência, pelos assuntos abordados, pela sabedoria, comunicabilidade e experiência dos intervenientes.

Quanto a Bagão Félix, salientou que o Cristianismo é de testemunhos e testemunhas e não de polimentos. Vivemos com muitas tecnologias, muito progresso, mas no campo espiritual acrescenta-se muita aridez e deserto. Vivemos e convivemos com a solidão, com franjas enormes de pobreza, o relativismo, o desemprego, de insucessos, indefesos, a falta de ética em diversos setores.

Na vida politica, o cristão tem de ser portador de esperança, de testemunho, exemplaridade, verticalidade, simplicidade.

A doutrina social da Igreja é construtora do futuro. A Caridade tem ficado refém da linguagem política.

Quanto a Manuel Carvalho da Silva, sobejamente conhecido pelas suas lides de dirigente máximo da Intersindical durante muitos anos, abordou diversos itens. Falou de uma Nova Era a construir assente nos pilares da família, do trabalho, da escola, do social. Dissertou dos bloqueios e desafios da sociedade atual.

Abordou as quinze dimensões da crise que nos avassala: financeira, económica, social, politica, desajustamento estrutural, política das instituições enérgicas, climatéricas e ambientais, relações comerciais, soberania e segurança alimentares dos países, consumo e desperdícios, relações entre gerações, utilização das tecnologias, sistemas fiscais injustos, manipulação das biociências e valores.

Falou do capital que há muito, mas concentrado em poucos bolsos e do trabalho e da falta deste, as suas relações e contradições.

No seu pensamento e na exposição das ideias, o que mais moveu a minha curiosidade, além da sua qualidade quando fala do mundo do trabalho, foi ter muito presente e com inúmeras citações das Encíclicas Papais, com maior destaque para a de Bento XVI – Deus Caritas Est (Deus é Amor).

Seguiu-se um interessante e vivo debate e alguém se lembrou que nas dimensões apontadas da crise falta a crise demográfica, principalmente do interior do país.

Fechou o Encontro o Cardeal Seán O`Malley, de Boston, Estados Unidos, escolhido pelo atual Papa Francisco a ajudar a reformar a Cúria Romana, padre capuchinho, com o tema: A Caridade é a Fé em Ação. Num português perfeito, salientou o seu trabalho e experiência, junto da emigração, principalmente quando desempenhou funções no Centro Católico Hispano. Conta que um dia recebeu um desesperado emigrante de S. Salvador, clandestinamente veio para os Estados Unidos, à procura de ganhar dinheiro para mulher e cinco filhos. Lava louça num restaurante e comia os restos dos clientes. Todos os meses metia numa carta dólares para a mulher. Porém, passado uns meses recebe uma carta da mulher, dizendo-lhe que ela e filhos estavam a morrer de fome e se tinha esquecido da família. O Cardeal perguntou-lhe onde ia entregar a carta, onde a colocava. Aquele indicou-lhe um recetáculo igual aos dos correios, mas recolhia lixo da cidade. Palavras, para quê?

Também fez referência à visita e palavras do Papa Francisco na sua deslocação em Lampedusa e Linosa, onde os jornais dias antes tinham noticiado emigrantes mortos no mar, barcos que em vez de ser uma rota de esperança, foram uma rota de morte. E o Papa diz-nos “ hoje ninguém no mundo se sente responsável por isso, perdemos o sentido da responsabilidade fraterna, caímos na atitude hipócrita do sacerdote e do levita de que fala Jesus na Parábola do Bom Samaritano. “

“Quem chorou por este fato e por fatos como este? Quem chorou por estas pessoas que vinham no barco? Pelas mães jovens que traziam os seus filhos?”

D. Seán Patrick O´Malley, terminou a conferencia referindo que as celebridades por “ mais bonitas que sejam e por mais talento que tenham, tem vidas superficiais e caóticas.” Aos cristãos pediu ajuda na evangelização e humanização de vida, visto que só assim se consegue “ construir uma civilização do amor.”

Esta foi uma síntese, um pequeno olhar de um Encontro da Pastoral Social, um verdadeiro laboratório que devia ser o país. Estes novos Céus e Novas Terras de esperança.

Parafraseando uma jornalista, moderadora de um dos painéis que afirmou: “ Deus é uma palavra difícil, mas a palavra Caridade é muito mais difícil”…eu diria fundamentalmente a ser praticada. Já o Presidente Nacional da Cáritas, Eugénio da Fonseca, afirmou que “ o cristão deve sujar as mãos na defesa do bem comum.”

Espero que tenham tempo para ler esta síntese do Encontro da Pastoral Social em Fátima. Eu tive tempo e paciência do escrever para vós. Espero que também a tenhais para o ler. Fico grato.

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Setembro/2013

(Imagem de arquivo/JMJ Rio 2013)