OS HOMENS TAMBÉM CHORAM…

Estamos numa manhã de Maio com uma chuva diluviana, terrenos alagados e o curso da Ribeira da Meimoa a invadir as suas margens. A poucos dias do 13 de Maio, os caminhos dos peregrinos vão na direção de Fátima, como indicam as notícias nos diversos meios de comunicação social, salientando as más condições atmosféricos, a dificuldade em chegar ao local da fé, a nova Jerusalém.
Desloco-me a uma oficina de reparação de automóveis, espaço oficinal também invadido por chuvas inesperadas, comparável a um lago. No escritório encontro um velho amigo, quase conterrâneo, há poucos dias tinha decorrido o seu aniversário natalício. Nascemos no mesmo concelho do Sabugal e tivemos percursos comuns, muito idênticos. Nascemos num ambiente rural, fronteiriço, no seio de famílias pobres e numerosas. Começámos ainda crianças a trabalhar no campo e a percorrer os caminhos clandestinos do contrabando que assegurava a sobrevivência nossa e a dos nossos familiares.
Já com a quarta classe, exame sério e só obtido com muitos conhecimentos (naquele tempo não se brincava aos exames, nem se davam diplomas a trouxe e mouche), seguimos caminhos diferentes. Eu segui para a Escola Apostólica de Cristo Rei em Gouveia, onde estudei durante oito anos, numa escola de ensino particular, quase gratuita (não tinha outra possibilidade de estudar), usufruindo de condições pedagógicas, culturais e desportivas invulgares, com professores de uma formação, dedicação e missão totais. Acompanhavam os alunos de fio- a -pavio, com um grande amor pela nobre arte de ensinar.
O meu conterrâneo, companheiro do mundo rural e do contrabando, seguiu a via comercial, a de feirante. Ao fim de tantos anos de feiras e mercados por esta Beira Serrana, enfrentando tempos de chuva, vento, frio e calor, conseguiu com sacrifícios uma vida económica desafogada na velhice, sem estar refém de ajudas familiares, bem pelo contrário.
Agora olho bem para o meu amigo arraiano e sinto-o triste e choroso, com necessidade de falar e desabafar. Todos temos momentos na vida em que precisamos que alguém nos oiça, parece-nos que não há maior obra de misericórdia que a disponilidade do outro para ouvir. Infelizmente anda por aí muito presbítero e não só, que se recusa a ouvir por falta de tempo. Quem não ouve, pouco aprende.
Sento-me ao lado deste Homem e oiço tudo sem o interromper e sem pressa: o seu discurso aberto, espontâneo e dolorido, os dias de nervos, as noites de insónias, o apetite que não vem, a escassa vontade de viver, o amor louco que tem pela esposa, sua companheira amiga a quem sempre foi fiel. Conta-me os problemas dela: uma depressão, um HVC, uma perna partida que a obrigou a frequentar um Centro de Recuperação de cuidados continuados, a cerca de 200 KM ida e volta. Aí vai todos os dias o nosso Homem que ilude a sua também débil saúde com as seguintes palavras: “tenho-lhe muito amor, um amor do tamanho do mundo, é a minha companheira dos bons e maus momentos.” E ninguém o desvia no seu carro por estradas sinuosas ao encontro da sua fada: “tenho de estar ao seu lado, só sou Feliz junto dela”. As lágrimas invadem-lhe o rosto, numa tarde de chuva, na oficina onde repara o seu automóvel.

António Alves Fernandes
Aldeia de Joanes
Maio/2016