OS RELATOS DE FUTEBOL

Se fizermos uma sondagem, quase todos os inquiridos se recordarão da primeira vez que começaram a ouvir os relatos dos jogos de futebol da I Divisão Nacional, nas tardes de Domingos, e, também do Campeonato Nacional de Hóquei em Patins, principalmente os Torneios e Campeonatos Internacionais, onde se dava grande tareia e lição de bem jogar aos adversários, principalmente aos castelhanos. Dos grandes hoquistas portugueses dessa época, temos de inserir, entre muitos nomes, o Jesus Correia, que também jogou futebol no Sporting, o Emílio, o Edgar, o Livramento e o Vaz Guedes. Jorge Valdano, campeão mundial ao lado de Maradona. O Povo dizia que não havia, Sábado sem sol, Domingo sem Missa de manhã e relato à tarde e na Segunda-feira discussão futebolista e preguiça. Hoje, para muitos, é de todas as horas e dias, para esquecer e anestesiar a crise… E ainda alguns falam do antigo regime. Agora é milhentas vezes pior em campos futebolísticos, laborais e sociais e até já chegou aos religiosos, com muita hipocrisia, falta de caridade, de diálogos, missão e teorias de conspiração.

A Emissora Nacional, hoje denominada Antena Um, foi fundada em 16/11/1931. Em 1932, realizaram-se as primeiras emissões experimentais em onda média. Em Agosto de 1934, foi a vez de iniciarem as emissões em onda curta. Estas emissões tinham como principal objetivo serem ouvidas nas ditas Províncias Ultramarinas e pelos Portugueses espalhados pelo Mundo, em diáspora.

Os Serviços da Emissora Nacional começaram a funcionar em Barcarena, arredores de Lisboa. Em 1934 foram transferidos para a Rua do Quelhas, nº2, na Capital. Ali se mantiveram até 1966.

Após este pequeno historial da fundação da EN, vou virar a página para as transmissões radiofónicas do desporto nacional, concretamente o futebol.

A primeira transmissão realizou-se a 23 de Janeiro de 1938, e logo com um clássico do nosso futebol, um Benfica-Sporting, no Campo das Amoreiras, no chamado campeonato da Liga, sem qualquer patrocínio comercial.

Como o futebol é rico em discussões e contestações, surgiu logo a primeira polémica pela voz de outros clubes, alegando que as transmissões radiofónicas iriam tirar público dos estádios e consequentemente diminuiriam as receitas. Depois de reuniões de análise, comissões (porque se criam sempre comissões em Portugal?) e conversações entre os clubes e a federação, tudo se resolveu a bem de todas as partes interessadas, com transmissões nas tardes de Domingo para todos os clubes, a Bem da Nação e dos Portugueses.

A primeira transmissão internacional foi feita meses depois, no dia 24 de Abril de 1938, uma data que, pelos vistos, sempre foi pré-revolucionária e da qual há muitos com saudades. Em Frankfurt jogava a Alemanha contra Portugal, um empate a zero bolas. Portugal dispunha de grandes estrelas futebolistas, em especial o Fernando Peyroteo e na baliza um “ gato felino” chamado João Azevedo.

Em 1948, a EN deixou de ter a exclusividade das transmissões, dividindo os relatos com a Rádio Clube Português.

Nessa época ficaram famosos os relatadores Domingos Lança Moreira, Artur Agostinho, Romeu Correia e Nuno Brás. Com os meios limitados, sem tecnologias, era a agilidade e o profissionalismo que faziam milagres, que transmitiam “ as imagens “ das jogadas de bola e sobretudo a emoção. Quantas vezes a redondinha estava parada no centro do campo e o locutor sempre a prometer o golo ou a eminência de uma jogada de perigo. Era pela voz que se sonhava.

Com o surgimento dos transístores a pilhas, revolucionou-se o acesso ao áudio e os relatos de futebol generalizaram-se e tornaram-se indispensáveis em casa, nos passeios, nos estádios, no automóvel, no trabalho, em todo o local para não prescindir da nossa companhia.

Em 1966 a EN criou um novo formato, a tarde desportiva de Domingo, onde surgiram novas vozes como Fernando Correia, Carlos Cruz, Fernando Garcia, Vítor Sérgio, Fernando Almeida e Abel Figueiredo.

Com o 25 de Abril de 1974, surgiram novos nomes como Ribeiro Cristóvão, David Borges, Costa Martins, Carlos Dorbert, Paulo Sérgio e mais tarde o inconfundível, empolgante e satírico Jorge Perestrelo. Era um espetáculo ouvi-lo relatar um jogo de futebol. Não se podia ficar indiferente e, mesmo que a nossa equipa perdesse, um homem sentia-se feliz. Mais do um jogo, transmitia-nos a alegria da vida.

Graças ao Pároco da Bismula (Sabugal) – Padre Ezequiel Augusto Marcos-, tive acesso à voz de uma telefonia alimentada com uma bateria, particularmente acessível quando jogava o Sporting. Porém, o Padre Ezequiel privilegiava a prática da modalidade num campo pelado, em jogos disputados com outras freguesias limítrofes e havia imensas rivalidades, que eram salutares.

Com a ida para a Escola Apostólica de Cristo Rei em Gouveia, e já com um transístor a pilhas, todos os Domingos, menos aqueles em que éramos castigados, ouvíamos o relato de futebol, contando com a boa vontade dos Padres João de Deus, João Lopes e Carlos Kraut, o único padre alemão que alinhava nestas ondas.

Na Guiné, em Comissão Militar, era programa e companhia obrigatória o relato retransmitido pela Emissora Oficial daquela Província. Tínhamos a certeza de que o IN(Inimigo) também partilhava das mesmas audições e quiçás das mesmas emoções. Quando se ouvia gritar GOOOOLLLLLOOO, GOOOOLLLLLOOO, e era da nossa equipa, sentia-se uma grande emoção e uma alegria profunda, e esquecíamos a guerra. No meu caso concreto quando se tratava do Vitória de Setúbal era o delírio, naquela equipa maravilhosa do Jota Jota, Conceição, José Maria, Carriço, Jaime Graça, Mourinho, Herculano, Torpes, Quim e tantos outros ídolos sadinos, treinados por Fernando Vaz e José Pedroto o Zé do Boné.

Ontem, os locutores eram mais imparciais… e o futebol tinha outro encanto. Hoje, são parciais e o futebol é um negócio de feira, de mercado mensal, de empresas. Tenho pena e já não há amor à camisola…

 

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Fevereiro/2013