Aconteceu uma festa natalícia de uma utente no Lar de Alpedrinha, com a presença dos respetivos utentes, familiares, amigos, Pároco da sua Comunidade de Aldeia de Joanes, Provedor e funcionários. Tive o cuidado de me sentar numa mesa com Manuel Parente Taborda Ferreira, habitante do Lar, nascido em Alpedrinha, com raízes arraianas. A sua avó paterna era de Vale de Espinho (Sabugal). O seu avô, regressado da França, da primeira guerra mundial, foi ali desencantá-la.

Estávamos a saborear um vinho branco de colheita própria, uma pomada que até os anjos do Céu iriam gostar, quando o meu interlocutor me diz:” se sou mestre nalguma coisa é no vinho”. E fez o ritual dos enólogos: deitou um pouco de vinho num copo e cheirou-o diversas vezes. Depois de o agitar, deu um curto trago e saboreou longamente. Ao observá-lo, verifiquei que o nosso idoso sabia o que estava a fazer e atirou-me com esta: “ sou, com muito orgulho, filho do taberneiro de Alpedrinha, de nome Manuel Ferreira Taborda.”

Acabámos de dar um grande passo para encetarmos uma longa conversa sobre as Tabernas existentes em Alpedrinha em meados do Século passado. Eram os grandes clubes de jogos tradicionais, os centros culturais, sociais e de convívio dos pobres.

Enquanto saboreávamos o vinho branco que dava estalinhos na boca, o nosso Homem diz-me:” em Alpedrinha, rua sim, rua não, havia tabernas”.

O vinho tem muitas histórias e todas as tabernas têm os seus currículos e visitadores. O meu interlocutor começou a enumerá-las.

A Taberna do Zé Nabo, que vendia tudo menos hortaliças. Quanto aos nabos, eram alguns frequentadores que deixavam ali a jorna.

A Taberna do Constantino, a lembrar aquela bebida com o mesmo nome, convidava a beber todos os dias.

A Taberna do Gregório ganhou este nome porque muitos bebedores clamavam por este santo para aliviar o vinho bebido e pelas “ borras “ que tinha.

A Taberna da Cova da Moura, local onde todos podiam beber menos os mouros e mouras.

A Taberna do Zé Nabito, onde abancava um comprador de laranjas de Alcongosta, que quase todos os dias se deslocavam a Alpedrinha, na companhia do seu jumento. Habituado aos rituais do seu patrão, o burro parava sempre nesta tasca. Um dia o patrão disse: “ hoje não vou fazer a vontade ao burro, hoje não entro na Taberna”, mas o asno não foi na conversa e voltou a parar junto à porta, como o fazia centenas de vezes, e não arredou pé. Perante tanta teimosia, o dono lá teve de fazer a vontade ao animal, seu companheiro de muitas jornadas comerciais, e foi beber o tinto do costume.

A Taberna da Tia Maria Barateira, que tinha à porta caixas de madeira com sardinhas, carapaus e chicharros. Os clientes escolhiam e de seguida mandavam assar. A patroa não se fazia rogada em acompanhá-los, principalmente nos quartilhos.

A Taberna do Zé do Peixe, onde se comiam as melhores sardinhas de escabeche, rivalizando no entanto com as do Luz do Torrado, da Tia Maria, da Tia Joaquina, da Tendinha e da Maria Rosa Catarro, (aqui bebes, aqui te apanho, ali te agarro.)

A Taberna do João Duarte, do João Polícia, onde se refugiavam os agentes da autoridade para meditação ao Deus Baco.

A Taberna “o Retiro dos Caçadores”, onde os espingardeiros inventavam e contavam histórias e aventuras deste desporto.

A Taberna da Maria Inácio, era onde o Padre Inácio matava o vício. De regresso à casa paroquial, levava ainda duas garrafinhas nos forros da batina, para fugir aos olhares de alguma beata com língua afiada. O vinho lembrava-lhe as Bodas de Caná. Ali bebia-se a melhor ginjinha da Beira Baixa e arredores.

A Taberna do Albardeiro, onde não se vendia só vinho, mas também se confeccionavam e vendiam albardas, casacos com três bicos para animais de quatro patas, extensivas a outros animais.

A Taberna da Tia Maria Emília, que lamentava a morte do seu vizinho sapateiro, que ali gastava os magros proventos do uso da sovela. A própria viúva entendia mais a dor da taberneira que a sua. Já se encontra na corte celeste, no regaço de Santa Bebiana.

A Taberna do Manuel Ferreira, onde um habitual frequentador colocou um dia a boca na pipa e só parou quando entrou em estado de coma, a necessitar de tratamento médico, sem antes gritar “já não quero mais, já não quero mais!” Estava habituado a ir ao espicho, mas desta vez foi à torneira.

O Tio Manuel Ferreira reza a oração do ébrio: “Santa Uva, que estais na videira/Purificada sejais vós, sem enxofre/Venha a nós o vosso líquido/Para ser bebido à nossa vontade/Perdoai-nos Senhor da Polícia e da Guarda Republicana/ Dai-nos a vida eterna. Ámen”.

Recordar as Tabernas de Alpedrinha é beber à saúde de um património que urge preservar. A memória também é um tabuleiro de copos de tinto, onde se partilham tristezas e alegrias.

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Março/2014