POR TERRAS DO PADRE JOSÉ MIGUEL

Amanheci cedo para uma viagem que há dias estava acertada, uma passagem por Terras de Missão do Padre Zé Miguel, natural do Soito (Sabugal), e muitos anos Pároco no Meimão (Penamacor).

Há muito que não passava pelos Três Povos-Escarigo (Fundão), onde fixei os meus olhares na pintura mural “O Almocreve”, avistei igrejas, campanários e capelas com grandes tradições religiosas, rodeadas por pomares floridos.

A primeira paragem foi na Meimoa (Penamacor) e, junto à Capela de São Domingos, saboreamos o almoço, com a bênção daquele frade.

Partida para o Meimão, mas antes de chegarmos à população visitámos a Capela de Nossa Senhora do Pilar, mandada construir pelo Padre José Miguel Garcia Ferreira.

Descemos à freguesia que na sua génese simbólica tem um javali, embora também fosse habitat de linces, da Serra de Malcata.

A pastoral do Padre José Miguel naquelas terras foi muito marcante e nada melhor do que ouvir a voz daqueles que foram seus paroquianos:

Manuel Joaquim Domingues Borrego, ex-taxista: “conduzi mais de quarenta anos o meu táxi e transportei muita gente para o país e para o estrangeiro. Levei muita gente a bruxos, bruxas, curandeiros, astrólogos, endireitas, padres para lhes libertar os maus espíritos, mas não acredito em milagres. A verdade é que aos fins de semana chegavam ao Meimão muitas centenas de viaturas. Num desses, cheguei a contar setenta e dois autocarros e várias dezenas de automóveis. Vinham de todo o País e até de Espanha. Transportes do Alto do Tâmega, da zona de Chaves e Trás-os-Montes, contei doze autocarros. Veja o que esta gente dava ao Meimão, mas gentes mais poderosas, com invejas do protagonismo dos outros, forçaram-no a sair daqui.

O Padre José Miguel recebia diariamente muitas cartas de cidadãos nacionais e estrangeiros. Por todos estes factos, as memórias do Padre José Miguel estão bem vivas e ficarão para sempre na história da nossa terra.”

José Martins Frederico, empregado da Junta de Freguesia: “com o Padre Miguel era uma alegria e de que maneira! Era bom homem e já não aparece aqui um padre como ele.”

Deolinda Oliveira, ex-comerciante: “gostava dele como pessoa, tinha os seus defeitos como todos nós. Nesses tempos tinha aqui um comércio e ganhei muito dinheiro. Vendia-se tudo. Muitas vezes, apesar de muitas fornadas, o pão não chegava para as encomendas. Se não tivesse saído daqui, esta terra seria totalmente diferente.”

Guilhermina Augusto da Fonseca, reformada: “nunca aceitou que vivesse com o meu companheiro, com o qual faço vida conjugal há mais de quarenta anos. Viuvei e se voltasse a casar perdia a reforma. Não deixou ir os meus filhos para o seminário, apesar de o meu companheiro ajudar sempre que necessário nas necessidades da igreja.”

José Maria Reino, emigrante: “fui muito amigo do Padre Miguel e tinha-lhe um grande apreço. Sempre que o visitava pedia-lhe para me tocar no volante da viatura. Com muitos e muitos milhares de quilómetros nunca tive um acidente”.

Maria de Lurdes Fonseca, proprietária do Café Lince: “o Senhor Padre José Miguel nunca pedia dinheiro a ninguém, mas as pessoas eram generosas e lá tinham as suas razões. Foi pena não ter arranjado pessoas da sua confiança no Meimão. Escolheu um senhor da zona do Fundão que lhe não foi fiel e honesto. Não soube gerir algumas situações. Se tem investido na nossa terra nós seríamos um local privilegiado. O meu filho andou por diversos hospitais e só encontrou cura nas mãos do Senhor Padre José Miguel”.

Uma senhora idosa, no Lar da Santa Casa da Misericórdia do Fundão, ainda hoje guarda religiosamente um simbólico objecto ofertado pelo Padre Miguel, referindo-se com emoção à fé e à espiritualidade daquele sacerdote.

Seguimos para o Sabugal e paramos no antigo curral de António Ferrão, “O Peças”, onde o transporte, a montada do Padre José Miguel, descansava e era alimentado, findas as lides pastorais.

Esse antigo local de recolha de animais está hoje situado na Rua Nuno de Montemor, padre, poeta e escritor. No seu livro “Maria Mim” também encontramos alguns “milagres”, quando os contrabandistas de Quadrazais e limites, na sua gíria linguística, acordavam esconder nos altares o material trazido de Castela, fitando as autoridades.

Como são diferentes os tempos de hoje, já temos as fronteiras abertas e os “evangelizadores” andam com carros de alta cilindrada e puxados por muitos cavalos.

O Padre José Miguel nunca precisou de automóvel para fazer apostolado a bem do povo de Deus.

Passa-se pela Biblioteca do Sabugal e não se encontra uma obra, um livro dedicado ao Padre José Miguel.

Nascido no Soito (Sabugal), onde está sepultado, ordenado padre em 1936, por D. João de Oliveira Matos, que nas palavras do Padre Miguel era “ um exemplo de santidade, o meu guia espiritual, o verdadeiro representante de Deus na terra, o heróico defensor da verdade, e sobretudo e acima de tudo foi um crente extraordinário… Vi-o cair em êxtase místico, adorando a cruz em lágrimas… Jejuava dias inteiros. Percorria de bordão os caminhos da sua Diocese… ouvia em confissão os mais humildes das pequenas aldeias. Dava esmolas aos pobres… era de uma humildade extrema…era um Santo” (cf. páginas 147 e 148 do Livro “Os Milagres da Esperança” de Cunha Simões, Edição do Semanário “A Província”).

Esteve no pensamento do Padre José Miguel a constituição de uma Fundação com o nome de D. João de Oliveira Matos, que por razões que desconheço não chegou a concretizar.

A vida e obra merecem um estudo humano, social e religioso aprofundado, porque se todos “perdêssemos” alguns minutos a ouvir e a pensar nos outros, o mundo seria diferente.

A grandeza do Padre José Miguel ultrapassava mentalidades mesquinhas, talvez com sede de protagonismos. “Tens Fé, acredita e vai porque esta move montanhas e a Manuela amanhã tem o problema de saúde resolvido e sairá do hospital bem.” E saiu… muito bem.

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Março/2019