QUOTIDIANOS – 11º CAPÍTULO

Encontro na Rua da Cale, no Fundão, à porta do atelier de pintura de Francisco Amaro, que acaba de traçar uma rota tumular nos concelhos de Pampilhosa da Serra, Arganil e Oliveira do Hospital. Lembro-me, a este propósito, de ter sido convidado pelo meu parente Padre Manuel Leal Fernandes para ter uma aula de história no Cemitério dos Prazeres em Lisboa. Nada como duas horitas num cemitério para aprender a lição.

Também numa visita conjunta com os meus familiares mais novos às nossas raízes bismulenses, partiu do meu irmão Ezequiel Alves Fernandes a iniciativa de visitar em primeiro lugar o Cemitério da Bismula, introduzindo os filhos e netos à história dos nossos antepassados e entes queridos ali sepultados.

Em termos necrológicos, o “querido mês de agosto” é sobretudo para recordar os falecimentos de Padre Francisco dos Santos Vaz, da Maria Luiza Fernandes (minha avó paterna), de José Maria Fernandes (meu pai), de Manuel Bernardo de Campos (meu sogro) e de D. Isabel, uma incansável voluntária da Cáritas de Aldeia de Joanes/Aldeia Nova do Cabo…

“Saúde e Paz”, duas palavras de saudação de um amigo numa esplanada do Fundão. Acabara de chegar de “nuestros hermanos”, de Valverde de El Fresno. Numa papelaria daquela aldeia espanhola, uma revista falava do Rei D. Juan Carlos pelos piores motivos. A dona da papelaria afirmou em português correcto: “tem tesão a mais para um Monárquico.”

Leio num “Jornal do Fundão” de Novembro de 1956 que foram inauguradas as instalações bancárias do B.P.S.M. do Fundão. Era gerente António Pereira Alves, “funcionário de grande dinamismo, com visões bancárias estratégicas, de grande simpatia e prestígio.” Desses tempos resta uma activa Associação de Ex-Bancários do BPSM do Fundão e Covilhã, que se encontra em convívios trimestrais.  

Assisto com interesse a diversos eventos culturais e musicais da Cale & SangriAgosto – Festival de Rua do Fundão-, com muito brilhantismo.

É bom saber que a cidade do Fundão, que nasceu nas redondezas da Capela de Santo António e da Misericórdia Velha, foi refúgio de judeus expulsos de Espanha, recebendo-os como cristãos novos. Com as suas artes e ofícios transformaram esse espaço rural num espaço urbano, extensivo à Rua da Cale, onde fundaram casas de negócios e oficinas. Não é por acaso que a palavra Cale é de origem hebraica – Kahel-, que significa aljama, comuna, local de reunião.

Em 1946 lia-se no “Jornal do Fundão”: “Em Lisboa cada quilo de batatas custa vinte e cinco e vinte e seis tostões, mas no Fundão são ainda mais caras. Já não respeitam a tabela dos preços!” Há determinados bens de primeira necessidade que deviam ter preços tabelados durante um ano. Devia ser obrigatório.

O melhor restaurante é a nossa casa, mas de vez em quando para fugir à rotina e dar sossego às esposas (quando os homens não sabem cozinhar), sabe bem sair para o exterior. “No Fundão come-se bem”, é um slogan habitual e, ao contrário de outros, não engana. Fomos a Alcaria, a dois passos da sede do concelho, para mergulhar numa sopa à setubalense, seguida de uma corvina no forno, ornamentada com frutas da época. Boa gastronomia.

Numa festa de porco no espeto, realizada no Largo da Ribeira Velha na baixa de Setúbal, não faltaram artífices desse convívio da Beira Alta e Beira Baixa.

As gentes da Bismula, espalhadas pelo País e pelo Mundo, são reconhecidas pelos seus méritos profissionais, éticos, culturais e sociais. Desta vez, a Câmara Municipal de Setúbal vai entregar, no dia 15 de Setembro, feriado municipal, a Medalha de Mérito ao Enfermeiro Carlos Martinho, há muitos anos ao serviço da Selecção Nacional de Futebol, cujos pais eram da Bismula. A Família dos Martinhos da Bismula está de parabéns.

Ao fim de dezanove anos, realizou-se novamente a Festa de Nossa Senhora do Amparo em Aldeia de Joanes, com a alegria das gentes que herdaram essa tradição e a passaram aos novos moradores. A Comissão Organizadora está de parabéns pelo excelente trabalho.

António Alves Fernandes

Setúbal

Agosto/2018