QUOTIDIANOS HOSPITALARES – PARTE 4

A vida não é linear nem o ideal imaginado. É como aqueles desenhos animados sempre a correr, que nós víamos à porta da Taberna Quinze Reis (hoje entaipada) em Setúbal: talvez escapem à dinamite, à rocha que ameaça ruir numa avalanche, ao vaso que salta da varanda… Nunca se sabe exactamente o que vai acontecer, tudo pode mudar em segundos.

Há dias foi o delírio na Sala de Visitas, quando vimos na RTP os portugueses derrotar os castelhanos no Campeonato Europeu de Futsal. Todos cantaram o hino nacional e agitaram-se algumas bandeiras, nunca vi doentes tão alegres.

O Entrudo semeia boa disposição pelo país fora, sambas, sátiras, gargalhadas… vê-se nos rostos das pessoas que o Carnaval é o maior inimigo dos dias cinzentos.

Uma jovem estagiária, com feições de lua cheia e olhos límpidos como as águas da Baía de Setúbal, solicitou-me para diversos trabalhos: textos em que a vida é uma sopa de letras ou jogos onde tenho de encontrar o caminho no meio de um labirinto, ainda com o desafio de coleccionar pedras para um dia, como no poema de Fernando Pessoa, construir um Castelo.

A televisão é a nossa principal janela para o mundo: vejo uma reportagem sobre o vandalismo de que tem sido alvo o Forte de Santo António, Património do Estado e Monumento do Século XVI, azulejos históricos arrancados, pinturas destruídas, tudo o que é espaço graffitado por energúmenos sem talento nem memória.  

O meu Vitória de Setúbal é roubado em Braga, mas disso ninguém fala… É estranho que no “Ano 1 da Verdade Desportiva”, o meu clube tenha sido privado de tantos pontos por erros de arbitragem, parece que querem metê-lo à força na Segunda Liga. Os Vitorianos têm que estar unidos mais do que nunca, já vimos que este ano vamos ser espezinhados… Porque é que os arautos da “verdade desportiva” não falaram que o penalty que deu o empate ao Sporting na final da Taça da Liga foi precedido de fora de jogo?  

Acabo de receber o livro “Nascemos Livres” de D. Manuel Martins, uma colectânea de textos publicados no Jornal de Matosinhos. Recordo sempre a visita deste Homem aos meus saudosos Pais, sempre ao lado dos pobres e dos trabalhadores, numa Igreja viva à procura das periferias.

Em conversa um jovem desabafa comigo: “a minha vida é uma rocha que se ilumina do ódio de tanta paulada que levou. Sabe o que são dias e noites de medo? Sabe o que é ficar sem pai nem mãe quando ainda não se viveu a infância? Ganhei tal ódio pela vida que quero sempre o que me pertence e o que não me pertence.”

Diariamente cruzo-me com um Santo António de carne e osso, que chegou das Terras da Beira Baixa. É um Homem pobre e sem família. Tento oferecer-lhe um Livro, diz-me que só quer “uma bilha para a partir”.

Uma idosa ao lado queixa-se da sua pobreza: “como posso ter visitas com a minha reforma de miséria?” Sento-me junto dela neste Dias dos Namorados e partilhamos o bolo que uma visita carinhosamente ofereceu para recordar a todos, utentes e funcionários, o Amor.

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Fevereiro/2018