RECORDAÇÕES DOCENTES

Em Outubro de 1956, terminados os estudos, fui nomeado pelo meu saudoso Pai para acompanhar na minha terra vinte adultos, a fim de os preparar para a quarta classe.

Claro que o meu Pai, José Maria Fernandes, todas as noites passava pelas aulas para verificar se o filho estava a administrar bem a missão.

Os alunos eram muito mais velhos que o professor, mas obedeciam-lhe, respeitavam-no e estudavam as matérias. O resultado do seu trabalho foi a aprovação nas provas escritas e orais no Sabugal. Assim obtiveram o diploma da quarta classe, uma ferramenta importante para o seu futuro.

Quando ingressei nos Serviços Prisionais em Castelo Branco, e cadeia de apoio da Covilhã, dei aulas aos reclusos durante quatro anos, muitos aproveitaram e fizeram exame da quarta classe.

Um desses alunos seguiu os caminhos da emigração na Alemanha, e veio a Portugal visitar-me para me agradecer por lhe ter ensinado a ler e a escrever, o que lhe permitiu tirar a carta de condução e outros benefícios pessoais.

Também um homem da zona do pinhal foi para a cadeia num processo que se alongou por não deixar ir os filhos à escola.

Tinha, por força da Lei, que frequentar a Escola no Estabelecimento Prisional, onde aprendeu a ler e a escrever. Já não precisava de utilizar o dedo para ser identificado, nem dar as cartas a outros para as lerem.

A vida do homem transformou-se para melhor e das suas economias comprou os livros escolares para os filhos estudarem.

Também exerci a docência em 1974/75 no Liceu Nacional Nuno Álvares em Castelo Branco.

Muitos alunos eram professores, funcionários públicos e de outras profissões, a quem lhes faltava fazerem a cadeira de Português do sétimo ano para mais tarde com esse diploma alcançarem os seus objectivos.

No Programa estavam incluídas as crónicas de Fernão Lopes, um dos primeiros contadores da História Portuguesa, além de responsável pelos arquivos da Torre do Tombo.

Atendendo à Revolução dos Cravos, convenci os alunos a candidatarem-se ao exame de Português estudando empenhadamente a obra daquele insigne cronista. A sua escrita era marcada pela objectividade. Era cuidadoso e meticuloso e só escrevia a verdade que via ou ouvia.

Os alunos a quem distribuí os meus apontamentos sobre o autor aceitaram o meu conselho e foram aprovados com boas notas. O conteúdo do exame era totalmente baseado na obra de Fernão Lopes.

Mais tarde encontrei vários ex-alunos em diversas profissões, disseram-me “graças ao senhor, temos trabalho”.

As minhas recordações docentes no princípio do século XXI passam pela Cáritas Paroquial da Aldeia de Joanes (Fundão), juntamente com uma Professora destacada para acções de sensibilização da comunidade.

Durante dezassete anos, enquanto Catequista, também percorri com crianças e adolescentes os Caminhos Novos da Fé, na preparação da Profissão de Fé e do Crisma.

Continuo a ser um simples aprendiz de agricultor, leitor e cronista, que só escreve para que as pequenas memórias não se desvaneçam com o tempo.

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Fevereiro/2018