Recordar…

Há dias que por mais anos que passem nunca se esquecem. Refiro-me ao dia 9 de Março. Há precisamente um ano faleceu, em Vilar Formoso, o Padre Ezequiel Augusto Marcos. Aí, durante muitos anos, foi pároco, com uma vida quase centenária dedicada ao serviço da Igreja. Antes, tinha passado por Cótimos (Trancoso), onde fundou um agrupamento de escuteiros, e pela Bismula/Badamalos/Vale das Éguas (Sabugal).

No mesmo dia, faria oitenta e dois anos o saudoso Padre Manuel Joaquim Martins, nascido na Bismula, tendo sido Pároco na Sé da Guarda, Vilares/Carnicães (Trancoso), Aldeia de Joanes/Aldeia Nova do Cabo (Fundão) e Freches/Vila Franca das Naves (Trancoso).

A singularidade desta data é a coincidência do Padre Ezequiel ter sido pároco do Padre Manuel Martins, e este ter colocado em prática muitas das dinâmicas e ensinamentos pastorais recebidos. Ambos partiram…mas deixaram saudades e acima de tudo valores espirituais e humanos.

Vive-se a Quadragésima – um ciclo de tradições da Quaresma e Semana Santa. São acima de tudo tempos de profunda e forte religiosidade, mas também de uma grande riqueza cultural, tradições tão enraizadas nas nossas comunidades cristãs. É um itinerário de espiritualidade a fim de aprofundarmos e vivermos a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo.

Historicamente fala-se que as celebrações quaresmais florescem nas nossas paróquias após o Concílio de Trento, incentivadas pelas irmandades e pelas misericórdias. Sabe-se a importância da celebração da Quaresma na vida das pessoas. Além dos diversos percursos litúrgicos, influenciava os hábitos alimentares, nos trabalhos, nos cânticos, nas brincadeiras das crianças.

Vivia-se a Paixão e Morte de Jesus Cristo e assistia-se a um grande cuidado na liturgia construída com palavras, gestos, símbolos e sinais.

Ainda há dias, assistindo a uma simples Via-sacra em Aldeia de Joanes (Fundão), ouviram-se cânticos quaresmais com letra e musicalidade únicas, que nos conduzem para uma espiritualidade invulgar e profunda.

O Padre Ezequiel Augusto Marcos organizou uma das vividas Vias-sacras que como criança assisti e participei. Aliás, o povo bismulense mobilizado uniu-se ao projeto, realizando ao vivo, na rua da procissão, o Caminho de Jesus Cristo para o Gólgota. Foi uma das melhores lições de catequese que tive na minha vida.

Também a celebração do Domingo de Ramos, com Jesus Cristo em cima de um jumento, chegava às portas da Igreja aplaudido com novos e velhos empunhando diversos ramos nas mãos. Era uma chegada triunfal.

Recordo a visita pascal a todos os lares, que anteriormente as nossas mães tinham o cuidado de deixar tudo muito limpo, arranjado e ornamentado, porque o visitante a receber era das personagens mais importantes do mundo, era Jesus Cristo Ressuscitado.

O Padre Ezequiel Augusto Marcos deixou marcas inapagáveis na Bismula. A ele se deveu o telefone (foi das primeiras freguesias do concelho do Sabugal a fazer chamadas), a equipa de futebol (era jogador e árbitro), o teatro (era ensaiador). Deu, ainda, vida à Ação Católica e ao Curso de Alfabetização dos Adultos; incentivou tantos jovens, rapazes e raparigas, para a frequentarem os seminários e as congregações missionárias.

Com este Mestre, o Padre Manuel Joaquim Martins deu continuidade aos ensinamentos, em diversos serviços pastorais, sociais, culturais, escolares, juvenis e escutistas, como o afirmam os jovens, os seus antigos paroquianos.

Dois Homens, dois Sacerdotes, Párocos da Diocese da Guarda, que no dia 9 de Março se recordam e celebram os seus nascimentos – o da vida eterna e da vida terrena.

Nas suas comunidades cristãs não se esqueceram de colocar em prática as Obras de Misericórdia, as sete espirituais e corporais. Nas suas casas paroquiais havia sempre pão partilhado.

Nunca é demais afirmar e recordar, escrevendo sobre aqueles que nos ajudaram a crescer como homens e cidadãos, e, nunca são esquecidos no nosso pensamento e nunca no coração.

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Março/2016