RICHARD ZIMLER NO FUNDÃO

Estava longe de se adivinhar que o antigo estafeta, secretário, curta-metragista, estudante de música, bacharel em religião comparada, mestre em jornalismo, professor universitário, fosse também escritor.

Richard Zimler lembra-nos as proezas de quem conseguia tocar sete instrumentos, sendo neste caso autor de vários romances, traduzidos em vinte e três línguas, de uma colectânea de contos e de cinco livros para crianças.

Porém, o que mais me despertou foi que este romancista histórico, nascido em 1956, em Roslyn Heights, um dos subúrbios de Nova Iorque, de origem judaica, fosse um interessado pela nossa história e cultura, tendo-se deslocado ao Fundão no contexto do Clube de Leitores da Biblioteca Eugénio de Andrade, deliciando uma sala cheia num tom suave e com um português americanizado.

Esta vinda só foi possível com o empenho da autarquia fundanense, da directora da Biblioteca e do escritor Manuel da Silva Ramos, que, conjuntamente com Zimler, animou uma sessão memorável de cultura portuguesa.

Ainda antes do início deste encontro, esteve com centenas de jovens das escolas secundárias do Fundão, outra iniciativa de louvar, para incentivar esta gente mais nova para o gosto da leitura.

A sessão de abertura coube à diretora da Biblioteca, destacando a extensa obra literária de Richard Zimler, salientando ser um dia especial. Há muito que se esperava esta surpresa, esta presença no meio cultural fundanense e em, nome do Clube de Leitores, um clube democrático e de tertúlias, agradeceu a Zimler poder partilhar ao vivo as suas experiências literárias.

O Presidente da Câmara Municipal de Fundão referiu que era uma grande honra recebê-lo neste município, dando ênfase aos contactos com estudantes e professores e agora com o Clube de Leitores. Salientou que os livros são companheiros para todas as comunidades.

Manuel da Silva Ramos, o moderador do encontro, deu início ao espaço de debate e troca de ideias com o escritor, possibilitando aos presentes, que pouco ou nada conheciam dos livros publicados, ficarem com uma ideia mais esclarecedora da importância deste autor na nossa cultura.

O debate centralizou-se fundamentalmente no romance “O Evangelho Segundo Lázaro”, com base na leitura do Novo Testamento, onde Cristo ressuscita um amigo muito próximo de nome Lázaro, levando o autor a presumir que este seria um amigo de infância de Jesus. Apesar de não se saber ao certo como este milagre terá ocorrido, e o seu motivo, Zimler justificou a sua escrita como uma magia onde as personagens levam o autor à imaginação dos factos.

Este romance envolveu um profundo trabalho de investigação histórica, havendo também uma componente policial, num contexto que aborda figuras religiosas, bem como as relações amistosas entre Jesus e a família de Lázaro, enriquecendo estas duas grandes figuras.

O romance transforma as imagens religiosas numa perspetiva de humanização, incluindo as figuras dos milagres que Jesus Cristo terá efectuado. No fundo, um livro de religião que ultrapassa as religiões.

Outro livro que suscitou muita conversa foi o “O Último Cabalista de Lisboa”, que consegue descrever Lisboa no início do séc. XVI, recordando o massacre de cerca de dois mil cristãos novos, por volta de Abril de 1506, em pleno Rossio, onde se localizava o Tribunal da Inquisição. Um livro de ficção, onde se denuncia o fanatismo dos inquisidores e as ignorâncias vividas na época pós-medieval com os pés no Renascimento.

Faz-nos uma descrição interessante de como era Lisboa nessa época, dos seus bairros – Alfama, Graça (conhecida por “Nova Jerusalém “), etc. – das suas gentes e dos seus cheiros, aliás o autor destaca a importância do olfato no contexto da realidade histórica.

A obra dá-nos a sensação de ser muito violenta, violência que não ficou naqueles autos da fé, mas que continua, na realidade, a repetir-se todos os dias, mesmo que, por vezes, através de outras formas, algumas ainda mais cruéis que as descritas. As sociedades mudam, até podem evoluir, mas o facto é que a violência permanece.

A Inquisição alegava que Deus era uma manifestação divina, culpando os judeus de tudo o que acontecia na sociedade. Assim, em Portugal, a cultura judaico-portuguesa dos séculos catorze e quinze acabou por ser praticamente destruída, havendo muitos que se converteram ao catolicismo, os cristãos novos, fazendo desaparecer também vestígios dessa cultura.

A obra “Meia-Noite ou o Princípio do Mundo” fala-nos de um Portugal do século XIX, dos complexos de um portuguesismo pequeno, perante um mundo onde se realizavam obras notáveis que contribuíram para o progresso da humanidade.

Uma jornada literária que nenhum assistente esquecerá tão depressa e que se deverá repetir.

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Fevereiro/2019