SERRA DA ESTRELA – A SENHORA DO AR

Vi nas TV´s uma notícia simples mas significativa: a Imagem de Nossa Senhora do Ar regressou à Capela na Torre – o ponto mais alto de Portugal. Acabara de chegar de helicóptero, via Penamacor, onde a Força Aérea fazia exercícios militares.

Não sei os motivos do Cardeal de Lisboa, D. Manuel Cerejeira, com a conivência de Policarpo da Costa Vaz, Bispo da Guarda, que o levaram a retirá-la para Lisboa, nos fins da década de sessenta. Talvez por falta de efectivos da Força Aérea naquelas paragens…

Vi aquele Povo Serrano emocionado, agradecido, feliz por ter a Senhora do Ar junto deles. É assim a forma de proceder das populações quando lhes retiram os objectos religiosos, sem explicações válidas, e depois os devolvem. Este Povo é constantemente espoliado de valores simbólicos, algo que a nossa Democracia ainda não conseguiu colocar travão, os valores éticos e morais também não abundam…

Em idos anos encontrava-me a estudar na Escola Apostólica de Cristo Rei em Gouveia. Nas férias da Páscoa, por problemas económicos, pedi para ficar naquela Escola, apresentando as motivações compreensíveis. Os meus pais já faziam imensos sacrifícios para pagar a insignificativa mensalidade… Não tinha coragem para lhes incluir no magro orçamento o custo das viagens.

Assim fiquei a colaborar com o Director, Professor de Alemão e outras disciplinas – o Padre Carlos Kraut – um dos HOMENS mais santos que conheci na Terra. Os Antigos Alunos já lhe prestaram a justa homenagem.

Na Semana Santa, e em outras circunstâncias, o Capelão da Força Aérea com militares em S. Romão (Seia) e Serviço de Rastreio à Torre na Serra da Estrela, pedia apoio pastoral à Escola Apostólica de Cristo Rei de Gouveia.

Nessa Páscoa, o Padre Carlos Kraut foi solicitado para celebrar a festa pascal dos militares na Capela de Nossa Senhora do Ar, na Torre. Não era possuidor de carta de condução, pelo que teve de ir connosco o empregado da secretaria, José Maurício, natural de Alcaria – Fundão. Uma equipa a três, o celebrante, o motorista improvisado e eu, como um simples ajudante de sacristão. Pela primeira vez subia ao ponto mais alto da Serra da Estrela, ainda com muita neve. Ao nosso redor avistavam-se planícies, pequenas montanhas e muitos fardas militares.

No nosso pensamento ainda estava a imagem da Senhora com as mãos abertas para o Céu, quando o motorista e o ajudante de sacristão foram encaminhados para uma sala – messe de oficiais -, com iguarias, aperitivos, pratos e talheres brilhantes. Os bolsos estavam vazios, como poderia pagar tão propícia refeição? Soou a música e o meu companheiro, em vez de me sossegar, disse-me: ”isto com música ambiente ainda é mais caro.“ O Padre Carlos Kraut apareceu e pacificou-me: “meu filho, somos convidados dos militares, não temos que pagar a refeição.” “Bem-haja, Senhor Padre”.

Uns anos depois, a Senhora do Ar veio para Lisboa e eu saí de Gouveia. Com formação cívica e humana, acompanhei-a na senda da minha vida. Ao Maurício, o nosso motorista que andou por Gouveia, a Senhora do Ar deu-lhe asas de galo e poisou em diversos poleiros. O Padre Carlos Kraut já está no regaço da Nossa Senhora do Ar.

A Imagem lá está, igualzinha à de sessenta anos atrás, na sua Capela recuperada. Não há melhor conquista do que alcançar o ponto mais alto, a Torre, o epicentro de Portugal, passar por lagos, lagoas, nascentes de rios, escarpas, ares glaciares, matas e florestas. Não há nada melhor do que a belezas natural abençoada pela Nossa Senhora do Ar.

Nos mares nos demos, nas serranias começámos. Que Nossa Senhora da Assunção aos Céus conserve para sempre as mãos acolhedoras no Ar…

 

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Julho/2018