O convite veio de um companheiro de estudos para participar na Romaria de Nossa Senhora dos Prazeres, na Granja (Soito, Sabugal). Não me fiz rogado e aceitei, juntamente com um amigo.
No dia 28 de Abril, na segunda-feira a seguir à Páscoa, as gentes do Soito deslocam-se de todas as partes do País e da diáspora a tão importante manifestação religiosa (sem esquecer a vertente profana). Tal acontecimento está muito enraizado na alma do Povo Arraiano, gente forte que pega os touros pelos cornos, agarra o FORCÃO, e na sua gastronomia ainda oferece uma deliciosa sopa de cornos, única na culinária portuguesa e mundial. Com cinquenta e mais cavalos, carregados de minério e café, este Povo tanto enfrentava a guarda civil espanhola, como se aventura numa excursão cavalar a Fátima, conduzida por Manuel Carlos Rito. Nessa peregrinação, o almoço é no Parque de Campismo do Fundão e a dormida na Serra do Açor. Em jornada pedagógica, os cavalos são apresentados às crianças da Sertã e de Cernache do Bonjardim, que ofertam, além de afectos, muitas cenouras para gáudio cavalar. Após cavalgar cinco dias, chegam ao Santuário da Cova da Iria.
Aproveito para descobrir a etimologia da palavra FORCÃO. Cada letra representa um valor arraiano: F de Força, O de Coragem, R de Garra, C de Dedicação, A de Unidade e O de Amor. Assim indica a t-shirt do Jovem dinamizador destes valores – chamam-lhe o Fred do Soito.
A imagem da Senhora dos Prazeres, em procissão, percorre seis quilómetros e chega à Capela que as gentes piedosas lhe construíram, um local impar, um pequeno éden. Ali, há muitos anos num vale, reza a tradição pela boca de Maria Dulce Carvalhinho, uma senhora teve de fugir para Espanha com um filho de tenra idade. Chegada ao local da Granja foi perseguida pelas tropas e acabou por perdê-lo. Terminada a guerra, a mãe regressou a este local à procura do filho e encontrou-o são e salvo. Questionado o petiz, disse que todos os dias uma Senhora, vestida de Luz e muito bela, cuidava dele. A notícia espalhou-se e o Povo mandou fazer uma pequena capela, em Honra de Nossa Senhora da Granja ou dos Prazeres com a respetiva imagem. Entretanto, os nossos “hermanos” espanhóis reivindicaram a posse da santa e roubaram-na, levando o culto para terras de Castela. Os portugueses, homens da raia, repuseram a legalidade, resgatando a Nossa Senhora dos Prazeres do altar castelhano como resgatavam dos cemitérios franquistas os corpos dos contrabandistas.
Domingos Oliveira, antigo trabalhador nos famosos “Sumos da Cristalina” (fábrica fechada há anos), acredita piamente nas histórias da Senhora dos Prazeres. Ao seu lado, Isilda Oliveira declama: “ Senhora dos Prazeres/Soltai a pombinha/Deixai-a beber na Fontinha/Deixai-a beber, deixai-a voar/Que o vosso Menino a irá buscar/A Mãe encontrou o Menino/Entretido e a brincar/Com a pombinha/ A beber na fontinha.”
Esta tradição oral é referenciada pelo Pregador da Festa, um Missionário Franciscano Capuchinho – Padre Manuel Rito Dias -, homem do Soito, com cinquenta anos de sacerdócio, trinta em Angola e dez em Timor. O Reverendo reclama atenção para a posição das mãos da Nossa Senhora dos Prazeres, acarinhando e protegendo, com muito amor, o Menino seu Filho. As mãos das mães valem mais que mil sermões.
A celebração eucarística é presidida pelo Padre António Dias Domingos e pelo Diácono Manuel da Conceição.
Destaco vários aspectos positivos: a religiosidade da romaria, o bonito lançamento de balões no final das festividades, a proibição de qualquer venda (não há feira nem feirantes) e o ambiente de partilha entre os inúmeros grupos (um jornalista, Rui Meirinho, “contou” perto de três mil pessoas). O único aspecto negativo é o repetitivo e abusivo lançamento de foguetes.
Entre línguas temperadas de francês e castelhano, abandonamos a paradisíaca Granja com uma última saudação à Senhora dos Prazeres, sem esquecer que não há Família no Soito, que não tenha um familiar com este nome e saboreando os corcareis que são feitos nestas festividades, e que me lembram os da minha saudosa Mãe que fazia na Bismula – Sabugal.

António Alves Fernandes
Aldeia de Joanes
Maio/2014