Solenidade de Cristo Rei

“ … quando vieres com a tua realeza “

 

            Aquele que está crucificado e não se salva a si mesmo é o Salvador do mundo! Aquele que por troça Pilatos apresenta como “o Rei dos judeus” é, na verdade, o Senhor e Rei do universo! Aquele que os homens escarnecem, insultam e provocam é o Messias, o Filho de Deus!

            Os chefes dos judeus, os soldados e um malfeitor tentam fazer ver a Jesus que tem ali uma óptima oportunidade para provar que é realmente quem diz ser. Se quer que eles acreditem n’Ele deve descer da cruz e escapar à morte. Não lhes passa pela cabeça, não conseguem admitir que alguém com poder divino se deixe morrer daquele modo. Por conseguinte, a morte de Jesus significará para eles o completo fracasso da sua vida e o total descrédito de tudo quanto ensinou e prometeu aos homens.

            Bem diferente é a atitude do segundo condenado. Este, antes de mais, reconhece que está a pagar pelas suas más acções. A sua condenação é uma questão de justiça. Depois, centra-se em Jesus e sente-se impressionado com o modo como Ele suporta o sofrimento e encara a morte. Um criminoso não vive assim a sua condenação. Então, intui e confessa a absoluta inocência de Jesus:”nada praticou de condenável”. Mais, pressente que Jesus tem um poder e uma realeza especiais. Ele é detentor e senhor de um Reino, um Paraíso, onde os homens podem alcançar e usufruir para sempre a plena felicidade. Por isso mesmo, não pede a Jesus que o livre da morte, mas que se lembre dele e lhe reserve um lugar nesse seu Reino. Este homem compreende que Jesus morre, não se salva a si mesmo para o salvar a ele, para salvar a humanidade. Precisamente porque não foge da cruz, Jesus pode dizer-lhe com verdade: “hoje estarás comigo no Paraíso”.

            Na cruz, ainda mais e melhor do que quando anuncia o Evangelho ou realiza milagres, Jesus revela o mistério da sua vida e o alcance da sua missão. Na cruz, Jesus leva ao extremo o amor de Deus pelos homens, dá a maior prova de amor: o amor que vence o pecado e a morte, o amor que muda radicalmente a vida do homem, o amor que abre as portas do Paraíso. Na cruz, Jesus confirma, de um modo inequívoco, que veio ao mundo não para ser servido, mas para servir e dar a vida (Mc 10,45). O poder de Jesus é o poder do amor de Deus e o seu reino é o mundo novo que nasce desse amor.

            É de Cristo morto na cruz que nasce a Igreja. E é à luz do mistério da Cruz que a Igreja se deve entender, organizar e cumprir a sua missão. O mistério da cruz é o mistério do amor, do despojamento, da pobreza, da humildade e do serviço. Só seguindo o caminho da cruz, a Igreja será um instrumento eficaz ao serviço do reino de Deus. Só assim, através dela, Jesus reinará no mundo e na vida dos homens.

            Quando deixa de olhar para a cruz, a Igreja envereda pelo caminho da mundanidade, transforma-se numa estrutura de poder, imitando o que de pior têm os impérios e os reinos deste mundo. Torna-se num campo aberto à vaidade e ostentação, à ambição e ganância, ao carreirismo e luta pelo poder. Numa Igreja assim, muitos, como os fariseus que Jesus tão duramente condenou, procuram os primeiros lugares, os cargos que garantem visibilidade e protagonismo, reconhecimento e aplausos. Esses exercem as suas funções como quem domina e “com mentalidade de príncipes”, tendo em vista a sua imagem e vantagens humanas, como tão corajosa e insistentemente tem denunciado o Papa Francisco. Esses, ainda que se mostrem muito fiéis à Igreja e em nome dela opinem sobre todas as questões do momento, ainda que sejam pastoralmente muito activos e consigam admiração e elogios em alguns ambientes sociais, não dão testemunho de Jesus, não mostram acreditar n’Ele, não aproximam as pessoas d’Ele, não são construtores do Reino. Eles “reinam” a pretexto de servirem a Cristo, mas não deixam que Ele reine.

            Os verdadeiros construtores do reino de Deus são os pobres em espírito, os mansos e humildes, os misericordiosos e puros de coração, os que são justos e sofrem por causa da justiça. Por outras palavras, são os que se identificam com Cristo na obediência ao Pai, no espírito de pobreza e humildade, no amor à cruz e no serviço aos irmãos.

            “ … quando vieres com a tua realeza “. Tu, quando olhas para Jesus e o contemplas no mistério da cruz, o que Lhe pedes, que milagre esperas d’Ele? Pedes-Lhe que se lembre de ti, que venha ao teu coração, que reine na tua vida, para que, depois, reines com Ele eternamente no Paraíso de Deus? No termo do Ano da Fé, consegues ver na Cruz o sinal maior do amor, a fonte inesgotável da vida de Deus, a razão última da tua fé?

            * Após três anos litúrgicos, termina a minha colaboração no jornal diocesano. Por conseguinte, termina também a minha partilha convosco.

Pe. José Manuel Martins de Almeida. 

Agradeço ao padre José Manuel Martins de Almeida, esta excelente partilha, ao longo de vários anos, nesta página e no anterior blog e space. Sempre este espaço,  está disponível, para acolher alegremente, o seu contributo. Em nome de todos: Obrigado. Hugo Martins – padre